Les Rochers de Naye sem neve, não era a mesma coisa…
Mal começou o degelo da neve, resolvi que estava na hora de programar um trilho pedestre que me permitisse chegar desde Montreux (372 mts) até Les Rochers de Naye (2.042 mts). Este desejo foi crescendo desde que em Fevereiro efetuei o trilho que me conduziu a Les Pléiades (1.405 mts) (ver crónica nº017).
Achava eu que nesta altura do ano, muito pouca neve iria encontrar. Nada de mais errado, conforme virão a constatar no registo fotográfico desta verdadeira epopeia.
Como já puderam constatar e sempre que possível, opto por efetuar os trilhos a descer, isto é, parto da zona mais elevada até atingir a zona mais baixa. Acreditem que é muito mais perigoso descer do que subir e nas voltas realizadas até ao momento vou sempre em contra corrente. Não faço isso por uma questão de “preguiça”, mas sim porque por um lado faço uma melhor gestão do tempo e por outro lado, permite-me tirar melhores fotos panorâmicas.
Dito isto, passemos ao relato da aventura.
Há já uma semana que permanentemente perscrutava na Net a meteorologia associada aos Rochers de Naye e conforme se veio a verificar, esta, apontava para um dia muito soalheiro nesta quinta-feira (céu limpo até aos 2.000 mts, com temperaturas de 10ºC no topo e 15 a 20ºC abaixo dos 1.000 mts). Mesmo assim e porque por vezes as previsões valem o que valem, acedi via Net a uma webcam (em “realtime”) que filma parte da zona e assim podemos confirmar o verdadeiro estado do tempo (mais informações em
http://www.goldenpass.ch/rochers_de_naye_trajet ). Posso-vos dizer que no dia anterior estava uma nevoeirada e vai daí por volta das 07h00 liguei o PC e pude constatar a total ausência de nuvens e um sol maravilhoso (o dia prometia).
Apanhei o comboio que me levou de Lausanne até Montreux (30 min) e aí, apanhei o primeiro funiculaire (comboio com cremalheira de segurança) do dia, que me iria conduzir até Les Rochers de Naye (60 min).
Por volta das 10h00 iniciava o meu périplo, munido da minha mochila (6,0 kgs de material diverso e necessário em caso de azar). Assim como pedalo quase sempre em solitário, também caminho da mesma forma, pelo que e sem vergonha de o dizer, solicitei assistência divina, não fosse o diabo tecer das suas, eheheh…
Durante a volta aconteceram como já vem sendo hábito, várias peripécias, pelo que ao invés de efetuar um relato detalhado e “maçudo para alguns” das vicissitudes encontradas, optei por comentar em detalhe as fotos mais representativas.
Tive momentos para todos os estados de alma e como não podia deixar de ser, coloquei em perigo a minha existência, mas como já alguém disse “sei que vou morrer algum dia, ao menos que seja a fazer o que mais gosto” (só espero que os familiares não leiam esta crónica, porque não iriam entender, eheheh…).
Foram cerca de 15 kms de trilhos, dos quais 5 kms abaixo dos 1.000 mts, tendo chegado ao meu destino por volta das 18h30 (contar com 6h00 de marcha efetiva, o resto é pura contemplação).
Eis parte dos registos do dia… (restantes (+ de 150 fotos) encontram-se na página
Bravos do Pelotão, ver crónica Nº023).
Trajeto seguido pelo comboio até atingir os Rochers de Naye a 2.042 mts.
O meio de locomoção que me conduziu ao cimo (aqui chamado de funiculaire). A viagem demora cerca de uma hora e ao longo do percurso podemos sair em pelo menos 5 estações com vista a realizarmos diferentes trilhos.
Estação dos Rochers de Naye (Restaurante e Hotel). As 7 famosas “yourtes” Mongois onde podemos pernoitar pela módica quantia de 70 CHF/pessoa. Ao fundo do lado direito vêem-se os parques das marmotas.
Marmota em ação. Têm a aparência de um esquilo mas com dimensões maiores. Vivem em tocas que utilizam para hibernar durante o Inverno. A hibernação pode durar até sete meses.
Vista para o lago Léman a partir do miradouro dos Rochers de Naye 2.042 mts. No final da floresta e junto ao lago, o meu destino final (Gare de Montreux 395 mts). Podemos ver as cidades mais importantes em redor do lago. O dia não podia estar melhor, permitindo bons instantâneos.
“Col du Jaman” a 1.868 mts (monte a seguir à curva da linha de comboio) por onde o meu périplo iria passar. A casa que se avista do lado direito da foto (antes da curva) é a estação do Jaman a 1.742 mts.
Embora a perspetiva não deixe transparecer, este penhasco tem mais de 200 mts de altitude. O meu trilho segue ao longo do cimo destas encostas. Ao fundo e ao meio da foto (pico com relva e neve do lado esquerdo) temos o ponto previsto para iniciar a descida desta encosta e aceder ao vale. (“pensava eu de que”, but shit happens…)
Montreux ou o meu destino final.
“Tour D’Aï” a 2.331 mts e que mais parecem 2 dentes. Emplastro, esta é para ti!
Visto assim, de perfil, andar acima dos 2.000 mts é qualquer coisa, não acham!
“Via Ferrata” é um trilho que somente pode ser efetuado como podem constatar com a ajuda de equipamento especial (cabos de ligação, mosquetões, arneses, etc…). Só de nos debruçarmos, dá-nos logo um calafrio na espinha. Esta descida permite-nos vencer uma parede de +/- 300 mts e acredito que deve ser um “rush”, mas neste momento ainda não tenho o curso elementar de alpinismo, eheheh…
Aqui, tive o meu primeiro contacto com neve (sempre dura, quase pedra) ao longo do trilho. Notar que estamos a falar de graus de inclinação superiores a 40º. Para prosseguir, resolvi escalar as rochas, tendo passado por cima da neve.
Mais uma perspetiva dos Rochers de Naye, com a chegada de mais um comboio. Encontramos aqui 3 pistas de ski.
Ao criar este trilho no Google Earth, pretendia descer esta encosta, passar junto aquele lago e seguir em direção aquele restaurante do lado esquerdo da foto. Como verão, por vezes há fatores externos que nos impedem de prosseguir, “c’est la vie”.
Ali em baixo ao fundo, do lado esquerdo da foto, junto aquela neve é onde se encontra a minha bifurcação que me permitirá descer esta escarpa e aceder às famosas “Grottes de Naye”.
Já se consegue ver o trilho que “aparentemente” me conduzirá ao vale. (ahahah, deixem-me rir, a primeira surpresa do dia está para vir).
O trilho não deixa margem de dúvidas. Um bom trilho. Já fiz piores em outras crónicas (Nº014 e Nº015).
O objetivo era descer o trilho e atravessar aquela extensão de neve com vista a atingir aquele caminho junto aos penedos (meio da foto). Se a “ingenuidade de pensamento” fosse “paga”, eu era um homem rico.
No fim do trilho em pedra, surge-me esta beleza. Neve em estado sólido. Ainda tentei escavar, mas sem botas especiais e bastões de montanhismo era uma missão impossível, para além de que se escorregasse, não tinha nada a que me agarrar, sendo garantida uma queda para o abismo. Após meditar algum tempo, acabei mesmo por desistir (muita coisa em jogo).
O grau elevado de inclinação da escarpa fez-me ver que a decisão tomada foi a mais acertada. Quero poder continuar vivo para vos relatar outras aventuras, não acham!
Na gíria, diz-se que tudo o que sobe acaba por descer. Neste caso foi ao contrário. A experiência ensinou-me que nunca devemos sair para este tipo de aventuras sem um “back-up plan”. É impressão minha ou já estive acolá, ao fundo. Pois é, toca a ganhar coragem e mexer o esqueleto (ossos do oficio).
O “back-up plan” passava por contornar a montanha por outro lado. Vamos ver que surpresas me estão reservadas… Deste lado prometia, mas nunca devemos criar vitória antes do tempo, eheheh…
Vim d’além. Conseguem ver as “yourtes”.
Chegada a “Sautodoz 1.820 mts”. Trata-se de um abrigo de montanha com umas vistas fenomenais. O meu trilho segue por detrás do mesmo.
Segunda surpresa do dia e como diz o ditado “um azar nunca vem só”. Para descer tinha que atravessar este trilho de neve, mesmo muito perigoso (ver sinal do lado esquerdo da foto). Sem botas especiais, a solução encontrada para manter a aderência foi caminhar pé ante pé sobre os calcanhares. Foram cerca de 160 mts, em que por vezes tive que me arrastar sentado. A cereja no topo do “cake” aconteceu a cerca de 50 mts do fim, em que a neve acabava e começava o cascalho resultante da desagregação da rocha, com pequenas rochas à mistura. “So far so good” e realmente correu bem, mas eis que quando começava a caminhar no trilho “dito normal”, ouço um ruído, viro-me e não é que vejo cerca de uma dúzia de calhaus a rolar encosta abaixo na minha direção. “Toca a meter a primeira” e parar mais à frente. Realmente em alta montanha assim como na vida em geral, nunca devemos tomar “nothing for granted”. Daqui a umas horas, vou passar junto aquela casa e seguir por aquela encosta abaixo.
Esta foto é para os que porventura acharam que o atrás mencionado não passou de “bullshit”.
Chegado a este ponto tinha 2 opções, ou seguia para baixo (trilho passa junto à erva no lado esquerdo da foto) ou seguia para cima (trilho junto à neve) que me conduziria aquele monte. Para iniciar quaisquer dos trilhos, tinha de atravessar cerca de 30 mts de neve (esta sim, da mais dura que encontrei até à data). Para trás era impossível regressar (muito tempo e energia despendidos, ver foto anterior). Após meditar bastante tempo e com a ajuda de ferramentas ter conseguido cortar dois ramos de um arbusto, resolvi avançar no gelo. A neve neste local não era o único problema, tinha ainda de vencer uma escarpa de + de 45º de inclinação. Bem meus amigos, posso dizer-vos que à medida que avançava, as pernas tremiam que nem varas (realmente aqui, tive-os na mão…) e senti a adrenalina e risco de desaire como nunca tinha sentido até hoje. Pé ante pé, a tremer, e com a ajuda dos dois paus, lá fui avançando. Demorei cerca de 10 minutos para completar a distância e então quando se está prestes a fazer o último passo é que a nossa mente está ao rubro. Não volto a repetir a graça, acreditem…
Como podem ver, o erro aqui era fatal. Só de ver a foto, sinto um formigueiro, mas como dizia alguém “sei que vou morrer algum dia, ao menos que seja a fazer o que mais gosto”.
O trilho lá prosseguia encosta acima.
“***** para a neve”. Ainda mal refeito do susto anterior, eis que me surge novamente um obstáculo com cerca de 50 mts. Esta sim, devido à exposição solar, mais macia, mas mesmo assim, não devemos facilitar.
Compreendem melhor porque nunca devemos facilitar em alta montanha.
Vim de longe, não vim? Aqui podemos ver a entrada do túnel que atravessa a montanha e por onde circulam os comboios.
Estação de comboios do “Jaman” a 1.742 mts. Abanquei-me numa das mesas e almocei enquanto por mim passava o comboio no seu vai e vem.
Após o picnic, tinha planeado subir ao “Col du Jaman” que fica a 1.868 mts. Comecei a subir e chegado à placa que vêem na foto, esta informa-me que tinha cerca de 1h20 (subir e descer) de caminhada. Passava das 15h30 e o tempo aqui estava a ficar “bravo”. Achei que a vista não iria ser compensada pelo esforço requerido, sendo assim, abortei. Tirei esta foto, para que tenham uma ideia de parte dos locais por onde andei. Conseguem ver do lado esquerdo da foto, no cimo, o local onde fui impedido de prosseguir e obrigado a retroceder à base. Enquanto tirava a foto e porque a zona possuía uma boa acústica, ouço vozes. Saco dos meus binóculos e começo a perscrutar o horizonte e não é que encontro 3 malucos, ainda mais malucos que “myself”. Os mesmos encontram-se naquela mancha grande de neve do lado esquerdo da foto.
Os 3 malucos, 2 a descer a vertente em snowboard e 1 a caminhar na neve. Assinalei a vermelho, sob pena de não conseguirem identificar. Sempre é verdade o adágio que diz que “haverá sempre um maluco, mais maluco ainda do que tu”.
Aqui, o trilho prometia mas sabia que ia ser “sol de pouca dura”.
Aqui está ela a “fuc…g snow”, sempre a massacrar e ainda por cima a subir.
Lembram-se daquela casa que se via na encosta aquando do episódio mirabolante da neve. Bem, é esta e chama-se ao lugar “Chamossale 1.620 mts”.
A partir deste ponto, ainda tenho cerca de 2h00 de caminhada até Montreux.
O meu último adeus aos “Rochers de Naye”. Quem se recorda da série “Uma casa na pradaria” ?
Como dizia Nietzsche “aquilo que não me destrói fortalece-me” e é por isso, que faço o que faço, para me libertar, para me sentir vivo. Quem já viveu momentos assim, sabe do que falo.
Acredito que esta volta dentro de 2 a 3 semanas esteja no ponto para ser efetuada sem stress e aconselho a mesma para quem estiver na zona. Não se trata de uma volta fácil devido às extensas distâncias com graus de inclinação superiores a 45º.
Cumprimentos betetistas e até à próxima crónica…
Alexandre Pereira
Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…