Aproveito o início de mais uma edição da Volta a Portugal para divulgar uma entrevista do grande Marco Chagas, da qual realço o último parágrafo.
"Vencedor da Volta a Portugal em Bicicleta por quatro vezes, o comentador de ciclismo da RTP é hoje um apaixonado pelo BTT.
Entrevista dada a Dica de semana
Dica da Semana – Que expectativas tem para a 71ª Volta a Portugal em Bicicleta? Marco Chagas – Espero que seja uma volta bem disputada, na sequência do que tem acontecido nos últimos anos. O facto de não haver uma empresa com o nome associado à Volta é o maior sinal das dificuldades que existem neste momento, mas mesmo sendo um ano de crise acho que no aspecto desportivo vai ser uma grande Volta a Portugal em Bicicleta.
DS – Quais são os ciclistas com maior potencial para vencer a Volta a Portugal deste ano?
MC – Cândido Barbosa (Tavira), pela sua classe e anos de experiência, e Tiago Machado (Boa-vista), um jovem que na minha opinião é o melhor ciclista português da actualidade a correr em Portugal, são os dois corredores nacionais que mais se têm destacado. No entanto, a Volta será difícil para Cândido Barbosa, com a chegada à Senhora da Graça no início e a chegada ao alto da Torre no penúltimo dia. Por outro lado, Tiago Machado desgasta-se demais nas provas ao longo do ano e quando chega à Volta a Portugal não tem a frescura suficiente para ser candidato à vitória. É evidente que nos tem faltado um vencedor português, porque são normalmente corredores de outras nacionalidades que têm ganho e o mais provável é ganhar um corredor espanhol de uma equipa portuguesa. O vencedor do ano passado, David Blanco (Tavira), continua a ser, quanto a mim, um sério candidato à vitória na Volta. São também potenciais , vencedores da Volta dois corredores da Liberty Seguros, Héctor Guerra e Rubén Plaza, actual campeão nacional de Espanha.
DS – O que é que distingue a Volta de hoje da do tempo em que era ciclista?
MC – Por ter entrado no calendário internacional, a Volta tem um menor número de dias e nos últimos 20 anos houve uma melhoria da qualidade das estradas, dos equipamentos e das bicicletas. No entanto, nos anos em que competi, havia mais pessoas nas estradas e maior protagonismo dos ciclistas na comunicação social. Isso perdeu-se talvez por falta de corredores portugueses com nomes firmados e porque a televisão transmite as etapas da Volta.
DS – Venceu quatro Voltas a Portugal em Bicicleta. Qual foi a vitória mais marcante para si?
MC — Todas as vitórias são importantes, mas aquela que foi mais marcante foi a quarta Volta a Portugal que venci. Como ninguém tinha ganho quatro Voltas, nunca esquecerei o dia em que consegui chegar a essa vitória difícil, até porque só venci com uma diferença muito pequena no contra-relógio.
DS – A sua carreira foi ensombrada pelos casos de doping, que lhe retiraram uma vitória na Volta a Portugal e a possibilidade de competir em mais duas. Como recorda esses acontecimentos?
MC - São também momentos marcantes, mesmo que negativamente. Há 30 anos estávamos no início do combate contra o doping e havia muita falta de conhecimento. Na primeira situação de doping, assumo a minha responsabilidade, por desconhecimento e falta de rigor em relação às águas e outros produtos que consumíamos. Nos outros dois casos, que me retiraram a hipótese de ganhar quando integrava o Sporting ainda não encontro até hoje explicação para o aparecimento de uma substância, que eventualmente integra a composição dos xaropes para a tosse, que não consumi. •
DS – O que é que o levou a abandonar as corridas de ciclismo?
MC — Tinha 33 anos de idade e tinha começado no ciclismo muito novo, com 15 anos, por isso já sentia alguma saturação para continuar a treinar. Muitos me questionam por que não voltei, como fez agora Lance Armstrong, mas nunca senti esse "chamamento" para voltar.
DS – Como é que recorda a sua experiência enquanto treinador?
MC – Foi uma experiência de que gostei, mas que não tenho interesse em repetir. Vivia aquilo de uma forma tão intensa que me custaram mais os cinco anos como treinador do que os 18 anos como ciclista, porque quando se é treinador estamos dependentes dos resultados dos outros. Em cinco anos de treinador, por quatro vezes um corredor meu conseguiu o segundo lugar na Volta a Portugal, o que se tornou frustrante.
DS – Para quando um livro de memórias?
MC – Para qualquer dia. Já tive jornalistas e pessoas amigas que me tentaram convencer a escrever um livro, mas continuo a achar que sou muito novo. Tenho 52 anos e quando tiver 6o eventualmente pensarei nisso, se tiver saúde e disponibilidade. Até lá continuo ligado a modalidade como comentador. Guardo sempre as boas e as más memórias, mas ainda não é altura de as passar a livro.
DS – Hoje em dia, continua a andar de bicicleta?
MC - Hoje em dia, sou um fã das bicicletas de todo-o-terreno (BTT) e raramente pego numa
bicicleta de estrada. Ando regularmente de BTT e participo em meias maratonas da modalidade. Acho que é uma variante do ciclismo que está em franca expansão e que possivelmente trará muitos jovens para o ciclismo de alta competição."