Data: 3 de Novembro de 2007
Fotos: Pedro Ribeiro, Filipe Silva e Francisco Rocha
Autor do percurso: Rui Appelberg
Distância: 104km
Desnível acumulado: 2450m (meus cálculos em Excel)
Voltámos a falar disso durante este percurso. A Travessia do Dragão (tudo) foi um evento marcante para mim. Foi aí que conheci o Rui Appelberg, um dos ideólogos da dita travessia. Costumo tratá-lo por Major (e penso que ele acha piada). Vá-se lá saber porquê, faz-me lembrar um daqueles militares aristocráticos do império britânico.
Apesar dessa admiração que nutro pelo sujeito julgo que só voltámos a pedalar juntos uma vez após a tudo. Mas mantivemos sempre contacto e de vez em quando lá recebia no meu mail mais um relato duma incursão solitária e o respectivo convite para um dia a realizar. Nas entrelinhas desses e-mails conseguia imaginar a velha raposa (não confundir com raposa velha) sentado em frente ao teclado a redigi-los com um sorriso maroto, salivando com a possibilidade de voltar a atrair incautos para as suas armadilhas empenantes.
Finalmente os astros conjugaram-se, permitindo o adiado reencontro. Como não queria estar sozinho a aturar os devaneios do Major, lá convenci mais 7 incautos para me acompanharem: ET, Tico, Tano, Orlando, Jorge Moniz, Cunha e Zé Manel.
Pouco passava das 8:00 da manhã (que o Major não tolera atrasos) lá estávamos nós a preparar a partida junto ao retiro de fim-de-semana do nosso anfitrião, em Turiz, aldeia do concelho de Vila Verde.
O briefing foi tão curto quanto este parágrafo: "Meus senhores, eu gosto de andar devagar mas com poucas paragens."
Bom, devagar é como quem diz... a velha Atlas de titânio começou de imediato a zigzagear a bom ritmo pelos caminhos enquanto oito ciclistas estremunhados, sem terem ainda compreendido exactamente o que lhes estava a acontecer, a fazerem pela vida para não perderem o contacto.
Mas a coisa lá foi fluindo. Atravessámos o Rio Homem pela primeira vez (já fica o leitor a saber a razão do baptismo desta rota) através duma bonita passagem pedonal e chegámos a Caldelas, local aprazível que pessoalmente estava a visitar pela primeira vez.
Iniciámos então a subida para S. Pedro de Fins. Inicialmente em paralelo passando de seguida a estradão. Subia, subia e quando parecia que estava a acabar, subia mais um pouco. O Major ia-me incentivando: "Vamos mesmo lá acima, assim é mais um cume para a colecção.". Lá acabámos por atingir o objectivo desejado e no alto detivemos-nos um pouco a contemplar as vistas circundantes e a cruz que encimava a capela, pintada dum inesperado laranja!
Mais um briefing do Major, incisivo: "Vamos descer. Antes do final da descida temos de virar à esquerda. Se quem for à minha frente falhar a viragem, garanto que não vou lá abaixo buscá-lo."
Pois sim. Quem é que iria passar à frente dum tipo que se lança por ali abaixo qual "vento divino" (vulgo, kamikaze). é claro que quando cheguei à beira dele invoquei que tinha vindo um pouco mais devagar por causa do pó, he he he.
O objectivo agora era tomarmos a Geira Romana que nos levaria, eventualmente, até ao Campo do Gerês. Digo "eventualmente" porque no intímo estava com algumas dúvidas de que um grupo de nove pessoas conseguisse cumprir essa missão. é que pelas contas do Major, que já tinha há algum tempo efectuado o reconhecimento a solo, no total a coisa mandava-se para cima dos 100km. E conhecendo a sua apetência por pisos tenebrosos, com os dias tão pequenos nesta altura do ano, era capaz de ser demasiado ambicioso...
Tirando uns pequenos trechos já previamente identificados e que por isso evitámos, a Geira encontra-se em excelente estado de conservação para a nossa actividade. São kms e kms de caminho sem grandes variações de cota ao longo das encostas. Dito assim até parece que estamos a falar dum passeio na ciclovia. Pois desenganem-se! Ao longo do caminho aparecem com frequência uns "rebuçados" técnicos capazes de satisfazer mesmo os ciclistas mais habilidosos, quer a subir, quer a descer. Por vezes lá havia uma zona mais rápida onde até dava para meter a "talega" mas logo ao virar duma curva era-se obrigado a meter travões a fundo ou a reduzir abruptamente para a "avozinha". Tratando-se dum conhecimento comum ficou mais uma vez provado, se dúvidas houvesse, que não só o desnível acumulado contribui para a dureza dum percurso.
Quem parecia imune a todas estas dificuldades era o nosso implacável Major. O Cunha já perguntava se era assim, se não se parava em lado nenhum para merendar. Encolhi os ombros. Na realidade estava a gozar um pouco com a situação. Estando habituado a ser guia, é frequente ouvir reclamações do género. Desta vez estava livre dessa responsabilidade e agradava-me ser outro o alvo da "fúria" dos desesperados.
Não havendo então perspectivas de paragem na civilização nos tempos que se avizinhavam e querendo provar que eram homens duros, habituados a sobreviver com o que a natureza lhes dá, começaram a recolher alguns frutos que havia pelo caminho. Inicialmente foram as castanhas, depois as maçãs, mais à frente os diospiros...
Apesar de tudo o terrível Major lá demonstrou alguma compaixão, sentou-se numa sombra na beira do caminho, e permitiu finalmente o acesso às sandes transportadas nas mochilas. Mas nada de abusos. Pessoalmente nem cheguei a terminar de comer a minha pois a ordem de marcha surgiu tão abruptamente quanto a prévia autorização de paragem.
Depois de mais uns kms do mesmo atrav és da milenar Geira lá chegámos a Covide e depois a Campo do Gerês onde finalmente foi autorizada uma paragem rápida num pequeno restaurante. Da cozinha vinham cheiros agradáveis mas o tempo escasseava e já começávamos a fazer as contas às horas de sol que restavam para o regresso, daí que nos tenhamos ficado por uma sopa de legumes. Esta simples sopa veio a ser responsável pelo caso do dia, a separação do grupo entre os defensores da sopa bem quente e os da sopa morna!
A próxima aldeia a visitar seria Brufe, no alto da encosta situada na margem oposta do Rio Homem. Eu, o ET e o Major fomos os primeiros a arrancar e lá nos dirigimos para a Barragem de Vilarinho das Furnas para efectuar a travessia do rio. Uma centena de metros após o parque de campismo detive-me para fotografar três árvores de dimensões semelhantes mas cada qual com as folhas duma cor específica: amarelas, verdes e vermelhas. Com a cota um pouco mais baixa que o habitual era também possível ao longe vislumbrar as ruínas da antiga aldeia que cedeu o nome à barragem.
A subida da barragem até Brufe é efectuada através duma estrada esculpida na encosta escarpada. Com rails dum dos lados a proteger da queda no precipício. A inclinação da subida não era muito acentuada o que nos permitia subir a um ritmo aceitável e olhando para baixo, observando ao longe as curvas da estrada que já tínhamos percorrido, sentíamos-nos como se estivéssemos numa etapa de montanha do Tour.
Em Brufe encontrámos um animado movimento de turistas, muito por causa do afamado restaurante "O Abocanhado". Esperámos pelo resto do grupo e o Major promoveu uma espécie de debate para decidir o caminho a tomar. As opções eram subir um empedrado não sei onde, trepar até uma trialeira algures... enfim. Como bons soldados que éramos, limitámos-nos a segui-lo e quando demos por ela estávamos a subir uma rampa de inclinação absurda no sentido oposto aquele que eu imaginava ser o caminho de retorno." é mais divertido por aqui" dizia ele "além disso, como vocês não devem voltar aqui tão cedo, tenho de vos mostrar tudo o que tenho para oferecer.".
E ele tinha realmente muito para oferecer. Descidas técnicas por cima de pedras de toda a forma e feitio, difíceis de descrever por palavras. Quando no espaço de 100m se tem de transpor duas ou três zonas complicadas, tudo bem. Agora quando a coisa se prolonga por centenas e centenas de metros, com as dificuldades a sucederem-se em catadupa, o meu cérebro começa a fazer cálculos estatísticos. Basicamente ocorre-me que quanto mais aquilo durar maior será a probabilidade de algo correr mal... e começo então a lembrar-me das quedas, dos períodos de convalescença sem poder pedalar, da fractura do cúbito em 94... Mas lá chegámos inteiros à aldeia de Cutelo onde fomos calorosamente recebidos por alguns habitantes locais.
Parece que havia um prémio para quem conseguisse escalar montado a próxima calçada mas ninguém se candidatou e assim prosseguimos em peregrinação apeada at é ao topo. Chegados lá acima achei estranho o Major montar e desmontar logo de subida. Cãimbras! Acho que ninguém teve pena dele. Considerámos aquilo uma benção dos deuses, na esperança que amainasse os seus instintos de malvadez.
Mais umas zonas a descer bastante técnicas at é que numa zona mais rápida sinto um comportamento estranho na roda da frente. Graças à bomba de CO2 do Orlando e ao liquido anti-furo menos de um minuto depois estava o problema resolvido e eu feliz por não ter atrasado o pelotão.
Fizemos então alguns kms por estrada até Sto António de Mixões. Pelo meio atalhámos utilizando um estradão daqueles onde se podem largar os travões e andar a grande velocidade. Mas as dificuldades técnicas ainda nos haviam de surpreender mais uma vez. De novo uma descida repleta de zonas rochosas que era necessário transpor com cuidado. E parecia que a descida nunca mais ia acabar. Quando pensávamos que já tínhamos enfrentado tudo o que de tenebroso tinha para nos oferecer eis que após mais uma curva a 180º nos deparávamos com novas dificuldades. Enfim, simplesmente delicioso para quem aprecia este tipo de percurso.
Acabada a longa descida havia que aproveitar o pouco que restava de luz solar para regressar. Começámos então a rolar por estrada a bom ritmo durante alguns kms até encontrarmos as marcações dum passeio que nos havia de levar até Vila Verde. Esta parte do percurso não tem muito que contar, num misto de caminhos e arruamentos através das aldeias. Ainda voltámos a atravessar de novo o Rio Homem para a sua margem esquerda para mais à frente, já perto de Vila Verde, voltarmos à margem direita através duma curiosa ponte semi-flutuante, em madeira, que se afundava ligeiramente na água à nossa passagem.
A entrada na sede de concelho deu-se através duma inclinada rampa em asfalto (ou então até talvez nem fosse inclinada, talvez fosse do empeno apenas...). E foi já sem luz que percorremos a meia dúzia de kms que nos separavam das viaturas abandonadas em Turiz.
No final contabilizávamos 104km. Estava estupefacto por termos conseguido, numa altura do ano em que os dias são tão pequenos e atendendo às características do percurso, não só pelos 2400m de desnível acumulado mas essencialmente pela dificuldade técnica elevada de algumas secções.
Em jeito de epílogo diria que este percurso constará no top dos melhores que até hoje fiz. Pelas paisagens, pelas zonas técnicas e, também, pela companhia. Um verdadeiro grupo de amigos a quem o Major conseguiu impor um ritmo que permitiu que o objectivo inicial não tivesse de ser amputado. Ao que parece o grupo terá respondido a contento pois já perto do final o nosso anfitrião confessava: "Sinto-me como um bombista suicida cuja missão falhou. Eu a pensar que os empenava e afinal também estou aqui que nem posso."
Um agradecimento final ao Rui Appelberg por nos ter guiado através deste percurso fenomenal. Aconselho qualquer apreciador de longas distâncias, percursos técnicos e grandes paisagens a vir experimentá-lo.
Mais fotos disponiveis aqui
Track GPS disponivel aqui
Altimetria:
Fotos: Pedro Ribeiro, Filipe Silva e Francisco Rocha
Autor do percurso: Rui Appelberg
Distância: 104km
Desnível acumulado: 2450m (meus cálculos em Excel)
Voltámos a falar disso durante este percurso. A Travessia do Dragão (tudo) foi um evento marcante para mim. Foi aí que conheci o Rui Appelberg, um dos ideólogos da dita travessia. Costumo tratá-lo por Major (e penso que ele acha piada). Vá-se lá saber porquê, faz-me lembrar um daqueles militares aristocráticos do império britânico.
Apesar dessa admiração que nutro pelo sujeito julgo que só voltámos a pedalar juntos uma vez após a tudo. Mas mantivemos sempre contacto e de vez em quando lá recebia no meu mail mais um relato duma incursão solitária e o respectivo convite para um dia a realizar. Nas entrelinhas desses e-mails conseguia imaginar a velha raposa (não confundir com raposa velha) sentado em frente ao teclado a redigi-los com um sorriso maroto, salivando com a possibilidade de voltar a atrair incautos para as suas armadilhas empenantes.
Finalmente os astros conjugaram-se, permitindo o adiado reencontro. Como não queria estar sozinho a aturar os devaneios do Major, lá convenci mais 7 incautos para me acompanharem: ET, Tico, Tano, Orlando, Jorge Moniz, Cunha e Zé Manel.
Pouco passava das 8:00 da manhã (que o Major não tolera atrasos) lá estávamos nós a preparar a partida junto ao retiro de fim-de-semana do nosso anfitrião, em Turiz, aldeia do concelho de Vila Verde.
O briefing foi tão curto quanto este parágrafo: "Meus senhores, eu gosto de andar devagar mas com poucas paragens."
Bom, devagar é como quem diz... a velha Atlas de titânio começou de imediato a zigzagear a bom ritmo pelos caminhos enquanto oito ciclistas estremunhados, sem terem ainda compreendido exactamente o que lhes estava a acontecer, a fazerem pela vida para não perderem o contacto.
Mas a coisa lá foi fluindo. Atravessámos o Rio Homem pela primeira vez (já fica o leitor a saber a razão do baptismo desta rota) através duma bonita passagem pedonal e chegámos a Caldelas, local aprazível que pessoalmente estava a visitar pela primeira vez.
Iniciámos então a subida para S. Pedro de Fins. Inicialmente em paralelo passando de seguida a estradão. Subia, subia e quando parecia que estava a acabar, subia mais um pouco. O Major ia-me incentivando: "Vamos mesmo lá acima, assim é mais um cume para a colecção.". Lá acabámos por atingir o objectivo desejado e no alto detivemos-nos um pouco a contemplar as vistas circundantes e a cruz que encimava a capela, pintada dum inesperado laranja!
Mais um briefing do Major, incisivo: "Vamos descer. Antes do final da descida temos de virar à esquerda. Se quem for à minha frente falhar a viragem, garanto que não vou lá abaixo buscá-lo."
Pois sim. Quem é que iria passar à frente dum tipo que se lança por ali abaixo qual "vento divino" (vulgo, kamikaze). é claro que quando cheguei à beira dele invoquei que tinha vindo um pouco mais devagar por causa do pó, he he he.
O objectivo agora era tomarmos a Geira Romana que nos levaria, eventualmente, até ao Campo do Gerês. Digo "eventualmente" porque no intímo estava com algumas dúvidas de que um grupo de nove pessoas conseguisse cumprir essa missão. é que pelas contas do Major, que já tinha há algum tempo efectuado o reconhecimento a solo, no total a coisa mandava-se para cima dos 100km. E conhecendo a sua apetência por pisos tenebrosos, com os dias tão pequenos nesta altura do ano, era capaz de ser demasiado ambicioso...
Tirando uns pequenos trechos já previamente identificados e que por isso evitámos, a Geira encontra-se em excelente estado de conservação para a nossa actividade. São kms e kms de caminho sem grandes variações de cota ao longo das encostas. Dito assim até parece que estamos a falar dum passeio na ciclovia. Pois desenganem-se! Ao longo do caminho aparecem com frequência uns "rebuçados" técnicos capazes de satisfazer mesmo os ciclistas mais habilidosos, quer a subir, quer a descer. Por vezes lá havia uma zona mais rápida onde até dava para meter a "talega" mas logo ao virar duma curva era-se obrigado a meter travões a fundo ou a reduzir abruptamente para a "avozinha". Tratando-se dum conhecimento comum ficou mais uma vez provado, se dúvidas houvesse, que não só o desnível acumulado contribui para a dureza dum percurso.
Quem parecia imune a todas estas dificuldades era o nosso implacável Major. O Cunha já perguntava se era assim, se não se parava em lado nenhum para merendar. Encolhi os ombros. Na realidade estava a gozar um pouco com a situação. Estando habituado a ser guia, é frequente ouvir reclamações do género. Desta vez estava livre dessa responsabilidade e agradava-me ser outro o alvo da "fúria" dos desesperados.
Não havendo então perspectivas de paragem na civilização nos tempos que se avizinhavam e querendo provar que eram homens duros, habituados a sobreviver com o que a natureza lhes dá, começaram a recolher alguns frutos que havia pelo caminho. Inicialmente foram as castanhas, depois as maçãs, mais à frente os diospiros...
Apesar de tudo o terrível Major lá demonstrou alguma compaixão, sentou-se numa sombra na beira do caminho, e permitiu finalmente o acesso às sandes transportadas nas mochilas. Mas nada de abusos. Pessoalmente nem cheguei a terminar de comer a minha pois a ordem de marcha surgiu tão abruptamente quanto a prévia autorização de paragem.
Depois de mais uns kms do mesmo atrav és da milenar Geira lá chegámos a Covide e depois a Campo do Gerês onde finalmente foi autorizada uma paragem rápida num pequeno restaurante. Da cozinha vinham cheiros agradáveis mas o tempo escasseava e já começávamos a fazer as contas às horas de sol que restavam para o regresso, daí que nos tenhamos ficado por uma sopa de legumes. Esta simples sopa veio a ser responsável pelo caso do dia, a separação do grupo entre os defensores da sopa bem quente e os da sopa morna!
A próxima aldeia a visitar seria Brufe, no alto da encosta situada na margem oposta do Rio Homem. Eu, o ET e o Major fomos os primeiros a arrancar e lá nos dirigimos para a Barragem de Vilarinho das Furnas para efectuar a travessia do rio. Uma centena de metros após o parque de campismo detive-me para fotografar três árvores de dimensões semelhantes mas cada qual com as folhas duma cor específica: amarelas, verdes e vermelhas. Com a cota um pouco mais baixa que o habitual era também possível ao longe vislumbrar as ruínas da antiga aldeia que cedeu o nome à barragem.
A subida da barragem até Brufe é efectuada através duma estrada esculpida na encosta escarpada. Com rails dum dos lados a proteger da queda no precipício. A inclinação da subida não era muito acentuada o que nos permitia subir a um ritmo aceitável e olhando para baixo, observando ao longe as curvas da estrada que já tínhamos percorrido, sentíamos-nos como se estivéssemos numa etapa de montanha do Tour.
Em Brufe encontrámos um animado movimento de turistas, muito por causa do afamado restaurante "O Abocanhado". Esperámos pelo resto do grupo e o Major promoveu uma espécie de debate para decidir o caminho a tomar. As opções eram subir um empedrado não sei onde, trepar até uma trialeira algures... enfim. Como bons soldados que éramos, limitámos-nos a segui-lo e quando demos por ela estávamos a subir uma rampa de inclinação absurda no sentido oposto aquele que eu imaginava ser o caminho de retorno." é mais divertido por aqui" dizia ele "além disso, como vocês não devem voltar aqui tão cedo, tenho de vos mostrar tudo o que tenho para oferecer.".
E ele tinha realmente muito para oferecer. Descidas técnicas por cima de pedras de toda a forma e feitio, difíceis de descrever por palavras. Quando no espaço de 100m se tem de transpor duas ou três zonas complicadas, tudo bem. Agora quando a coisa se prolonga por centenas e centenas de metros, com as dificuldades a sucederem-se em catadupa, o meu cérebro começa a fazer cálculos estatísticos. Basicamente ocorre-me que quanto mais aquilo durar maior será a probabilidade de algo correr mal... e começo então a lembrar-me das quedas, dos períodos de convalescença sem poder pedalar, da fractura do cúbito em 94... Mas lá chegámos inteiros à aldeia de Cutelo onde fomos calorosamente recebidos por alguns habitantes locais.
Parece que havia um prémio para quem conseguisse escalar montado a próxima calçada mas ninguém se candidatou e assim prosseguimos em peregrinação apeada at é ao topo. Chegados lá acima achei estranho o Major montar e desmontar logo de subida. Cãimbras! Acho que ninguém teve pena dele. Considerámos aquilo uma benção dos deuses, na esperança que amainasse os seus instintos de malvadez.
Mais umas zonas a descer bastante técnicas at é que numa zona mais rápida sinto um comportamento estranho na roda da frente. Graças à bomba de CO2 do Orlando e ao liquido anti-furo menos de um minuto depois estava o problema resolvido e eu feliz por não ter atrasado o pelotão.
Fizemos então alguns kms por estrada até Sto António de Mixões. Pelo meio atalhámos utilizando um estradão daqueles onde se podem largar os travões e andar a grande velocidade. Mas as dificuldades técnicas ainda nos haviam de surpreender mais uma vez. De novo uma descida repleta de zonas rochosas que era necessário transpor com cuidado. E parecia que a descida nunca mais ia acabar. Quando pensávamos que já tínhamos enfrentado tudo o que de tenebroso tinha para nos oferecer eis que após mais uma curva a 180º nos deparávamos com novas dificuldades. Enfim, simplesmente delicioso para quem aprecia este tipo de percurso.
Acabada a longa descida havia que aproveitar o pouco que restava de luz solar para regressar. Começámos então a rolar por estrada a bom ritmo durante alguns kms até encontrarmos as marcações dum passeio que nos havia de levar até Vila Verde. Esta parte do percurso não tem muito que contar, num misto de caminhos e arruamentos através das aldeias. Ainda voltámos a atravessar de novo o Rio Homem para a sua margem esquerda para mais à frente, já perto de Vila Verde, voltarmos à margem direita através duma curiosa ponte semi-flutuante, em madeira, que se afundava ligeiramente na água à nossa passagem.
A entrada na sede de concelho deu-se através duma inclinada rampa em asfalto (ou então até talvez nem fosse inclinada, talvez fosse do empeno apenas...). E foi já sem luz que percorremos a meia dúzia de kms que nos separavam das viaturas abandonadas em Turiz.
No final contabilizávamos 104km. Estava estupefacto por termos conseguido, numa altura do ano em que os dias são tão pequenos e atendendo às características do percurso, não só pelos 2400m de desnível acumulado mas essencialmente pela dificuldade técnica elevada de algumas secções.
Em jeito de epílogo diria que este percurso constará no top dos melhores que até hoje fiz. Pelas paisagens, pelas zonas técnicas e, também, pela companhia. Um verdadeiro grupo de amigos a quem o Major conseguiu impor um ritmo que permitiu que o objectivo inicial não tivesse de ser amputado. Ao que parece o grupo terá respondido a contento pois já perto do final o nosso anfitrião confessava: "Sinto-me como um bombista suicida cuja missão falhou. Eu a pensar que os empenava e afinal também estou aqui que nem posso."
Um agradecimento final ao Rui Appelberg por nos ter guiado através deste percurso fenomenal. Aconselho qualquer apreciador de longas distâncias, percursos técnicos e grandes paisagens a vir experimentá-lo.
Mais fotos disponiveis aqui
Track GPS disponivel aqui
Altimetria: