[Crónica] Travessia do Dragão (versão integral 2008)

sinais

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

eu já estava de saída para andar de bike, até que alguém fez a denúncia ao moderador com o seguinte comentário "F#da-se! Viva a Internet, que nos permite ler coisas destas...." não resisti e vim ver... :bompost: :bompost: :bompost:

lá vou ter de olhar para o alcatrão a pensar que estou a passar em Montesinho ou no Gerês :s
 

CD

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Sem palavras.

Excelente travessia. É de se ficar roido de inveja.

Para alem de pedalarem muito bem, foram abençoados com a arte de bem escrever e de bem fotografar.

Muito obrigado pela partilha, e quando tiverem mais não se esqueçam de nós

CD
 
Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

lobo solitario said:
Bem haja o BTT.

E bem hajam pessoas como voçês que nos vêm mostrar estas paisagens, estes relatos, este espirito... Porque este sim, é o verdadeiro espirito do btt.
Um grande abraço e obrigado por nos deixarem todos roidos :yeah:
 

fitty77

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

É mesmo isso. São relatos como este, que nos fazem lembrar o porque de adorarmos pedalar. Fantástico
 

Ricardo

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Boa Tarde,

Grande Relato e Grandes Fotos :!: :!:

Parabéns e Obrigado por partilharem esta vossa aventura.

Ricardo
 
Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Já quase disseram tudo sobre esta aventura e os seus executantes e usufrutuários. apenas reforço que este relato junta, na perfeição, duas coisas dificeis ; excelentemente escrito e descrito e com excelentes fotos.

Já fiz coisas lindas de BTT, já imaginei coisas maravilhodas de se fazer, agora o que vocês fizeram parece-me divinal !!!
 

Nox

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Certo dia, é para ir. Acabo o trabalho, lancho rapidamente, vou para casa, pego na mochila, ponho a bicicleta em cima do carro, fecho portas, janelas, persianas, a água, vou buscar o Rui, vou buscar o meu irmão, viajo para Melgaço, dou entrada na pensão, janto tarde, vou para a cama, adormeço.

Acordo com o despertador do telemóvel e não sei onde estou. Passam-se uns segundos e, ainda às escuras, realizo que este é o primeiro minuto de uma vida de quatro dias que nada tem a ver com aquela que deixei para trás. Durante quatro dias tudo o que tenho é o conteúdo de uma pequena mochila, uma bicicleta e a companhia do Rui. É como se tivesse sido lançado por uma catapulta para um universo paralelo, despojado de quase tudo.

Assim que atingimos o primeiro topo da Peneda e pus a vista naquele horizonte imenso senti o poder do Dragão, o ser que dorme estendido entre Melgaço e Bragança, belo e selvagem. Na pele rugosa e granítica das costas do Dragão escorre a água mais pura que o céu dá, vivem homens, plantas e animais em harmonia e crescem as mais simples e belas flores que exalam um caleidoscópio intoxicante de perfumes. Há recantos bucólicos e paisagens majestosas, vento agreste e brisas delicadas, sol brilhante e nuvens negras. As partes que dão forma ao Dragão chamam-se Peneda, Amarela, Gerês, Cabreira, Barroso, Leiranco, Brunheiro e Montesinho.

Ciclar o Dragão autonomamente em quatro dias é também percorrer um universo interior onde se pode encontrar o limite do sofrimento e o medo da derrota, mas também o êxtase da conquista e a euforia da superação. É um exercício de poder da mente sobre o corpo e da mente sobre ela própria, procurando razões de ser numa luta interior, procurando sinais de alívio e regozijo numa paisagem que tem tanto de impiedosa como de sedutora.

Quem faz BTT sabe do que estou a falar.



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Na noite anterior à partida, em Melgaço. Sentimentos díspares marcavam-me a expressão.


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Primeiro dia, primeira manhã, primeira hora. Só o nevoeiro nos perseguia na Peneda.


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No Soajo deparamo-nos com estas estranhas criaturas de oito pernas, petrificadas há séculos, ansiando por um devir fértil que lhes encha as entranhas e lhes dê vida.


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Perto de Paradamonte o Lima estava tão cheio que parecia convexo como a pele de uma cobra.


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Segundo dia, Miradouro da Pedra Bela, no Gerês. Albufeira da Caniçada ao fundo e em primeiro plano a boa disposição de quem se encontra entre dois desesperos.


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Os maravilhosos caminhos de Curral dos Portos, serra do Gerês. Esperem elfos e duendes por trás de cada carvalho.


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Barragem de Salamonde. É quase do tamanho do Rui.


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Em Salamonde, no meio da segunda etapa, a Suiça era um país muito longínquo, noutro planeta, noutro universo, onde as pessoas jogam à bola tentando enfiá-la na baliza dos outros. Os nossos problemas no país do BTT eram de outra ordem, tinhamos a mafarrica "Vaca" pela frente e isso notava-se nas expressões.


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Vencida a "Vaca" e o "Talefe" eis o momento de glória, no topo da Cabreira, ou do mundo, já agora! Daqui era só descer até ao banho/jantar/cama no Salto. Os deuses não ficaram assim muito satisfeitos com a nossa irreverência e debitavam megawatts de ventania gelada para nos arrefecer o ânimo, mas sem sucesso. O dia estava ganho.


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Os agradáveis caminhos da Cabreira, ao longo do vale da Ribeira de Lamas de Miro, a "Escócia da Cabreira", como nós lhe chamamos.


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Desta vez resolvi tirar uma foto com um nosso velho amigo que toma conta da Cabreira sem nunca pregar olho, é o "Índio". Não, não é o nosso Indy, betetista e cronista "extraordinaire", esse só lá vai de vez em quando. O "Índio" e outros símbolos esculpidos no granito (vidé supra crónica do Lobo Solitário) encarnam o espírito místico da encosta Este da Cabreira.


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Terceiro dia. Novo dia, novas montanhas para percorrer no dorso do Dragão. Eis os divertidos caminhos do Barroso.


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Aldeia no Barroso. A água é tão límpida que hipnotiza quem a observa durante muito tempo. Os barrosões já viram naquela água coisas com que nós nem sonhamos.


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Coimbró, aldeia típica do Barroso.


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No topo do Barroso. Ao Norte, a serra do Larouco, uma asa do Dragão que não visitamos nesta viagem. O plano azul é a descomunal reserva de água da barragem dos Pisões. Em primeiro plano, a Titânia Carina (esquerda) e a Titânia Vanessa (direita).


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Alturas do Barroso. Este senhor aproxima-se e diz:
"Uma, uma meteu-se com um filho da polícia, um rapaz ... e eu digo-lhe, "Ó rapariga, anda cá, anda cá ...", pus-lhe aqui as mãos assim à gola e digo "Anda cá tu. Ouve lá, qu'é que foste fazer? Que andaste a fazer?", e estava a mãe à espera, e comeu da mãe e eu disse "Ó rapariga do car@1#o, tu dá-lhes respeito, lembra-te que são tuas filhas, são minhas filhas, são tuas ..."
Etc, etc, etc. Enquanto eu ouvia a história um pouco incoerente do ancião de Alturas do Barroso o Rui preocupava-se em encontrar alguém que nos arranjasse de comer.


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E não é que encontrou? Eu, fiel aos meus princípios, num primeiro momento repudiei a própria ideia de comer algo que não fosse uma sande rançosa que transportasse comigo há pelo menos dois dias, mas os senhores foram tão simpáticos que ... bem, não os quis desiludir ... é isso.


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Ainda revoltado por não ter dito que não a uma bela refeição barrosã regada com um tinto da zona (hehehe) planava junto às searas que bordejavam a albufeira dos Pisões, a transbordar. Na verdade transbordavamos os três, eu o Rui e a barragem.


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A giesta amarela, o arbusto mais bem sucedido pelas paragens do Dragão. Na subida para o Leiranco, o obstáculo entreposto entre o Barroso e a cidade de Chaves, a giesta saturava o ar com o seu perfume agridoce.


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Finalmente o Leiranco vencido, Chaves à vista. Enquanto eu me deitei a descansar e a ouvir uns passarinhos invisíveis lá em cima na atmosfera, o Rui estava irrequieto, andando de um lado para o outro. Na verdade o silêncio no topo do Leiranco era um pouco fora do normal, estava um ambiente soturno ...


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... trevas aproximavam-se de Sudoeste, sentia-se a electricidade no ar ...


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... corria uma brisa fraca, abafada. Tudo isto deve ter transtornado o Rui a propôr uma alternativa ao caminho que ambos sabíamos ser o único. Meteu-nos num "no-track" enlameado e escorregadio e fez-me molhar os pés. Por fim atingimos o nosso caminho e atiramo-nos pelas maravilhosas trialeiras que descem o Leiranco. Já lá em baixo ele não me conseguiu explicar que espírito o possuiu no topo do Leiranco.


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Quarto dia, alma lavada, cabeça fresca, barba crescida (considerei transportar utensílios de barbear supérfluo). A meio da vertente Oeste do Brunheiro a vista para o vale de Chaves é fantástica. Este ía ser um dos dias mais compridos da minha vida de BTT.


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No planalto transmontano as searas são comuns.


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O vale do Mente. Quem quer atravessar de Chaves a Bragança tem que transpôr pelo menos quatro grandes vales: Mente, Rabaçal, Tuela e Baceiro. Foi ... duro.


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Caminhos como este inspiravam-nos. Autênticas delícias. Carvalhos e castanheiros. A chuva já pesava.


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No Montesinho as estevas fizeram a sua aparição. Apesar de fisicamente subjugadas pelas giestas lançavam o seu aroma estival sem restrições, aumentado pela humidade da chuva.


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"Many rivers to cross
But I can`t seem to find my way over
Wandering I am lost as I travel along
The white cliffs of Dover
Many rivers to cross and it`s only my will
That keeps me alive
I`ve been licked, washed up for years and
I merely survive because of my pride."
Jimmy Cliff


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Planalto de Mofreita, Montesinho. Searas e papoilas. Custa a crer que ciclamos em plano a quase 1000 metros de altitude.


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Mais um símbolo de religiosidade. "Valha-nos Santa Ingrácia de Mofreita."


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Santa rusticamente esculpida em granito, aldeia de Zeive. O seu sorriso zombeteiro parecia dizer: "Com que então pensavas que chegar até aqui era fácil, hem?". Para cúmulo ainda fui perseguido por um cão durante quilómetros, aparecendo atrás de mim de vez em quando. Algo ou alguém não me queria por aquelas paragens.


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Os últimos 20 km dos 118 km da etapa foram feitos debaixo de chuva entre soutos. O cansaço era imenso mas o ar fresco e perfumado e a luz suave apaziguavam-me o espírito e continuava a pedalar como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.


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O aspecto da Titânia Carina no fim da viagem condizia com o meu estado físico: SUPER-EMPENADO.



Adeus Dragão, já estou com saudades, até à próxima.
 

orlemos

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Meus Senhores,

Depois da tareia a que nos sujeitamos com a Magnífica descrição feita pelo nosso Major "Lobo Solitário eis que surge o JAP "NOX" com mais esta para nos martirizar

Impressionante!!!

Não tenho mais palavras...
Grande Abraço
Orlando
 

proque

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Mais, muito mais, do que as "maratonas" ou as "24 horas" o "porco no espeto" e as "t-shirts" de brinde é mesmo "disto que o meu povo gosta"!

Por mim são as travessias que me levam!

Bom trabalho JAP e Rui!
 

Nox

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Olá a todos e obrigado pelas vossas reacções às crónicas da "TdD 2008".
(Orlando, Indy, Zé Rodas, se me estás a ouvir, pensamos muitas vezes em vós)

Como complemento das crónicas, e porque pode ser útil para quem esteja a cogitar lançar-se em semelhante empresa, gostava de qualificar a minha preparação física para esta Travessia como inadequada, "to say the least". Tal como com o amigo proque, com quem fiz a Travessia do Algarve mais chuvosa que se pode imaginar há uns anos, travessias é a minha coisa, donde resulta que passeios de fim-de-semana são raros, sobretudo no Inverno. Passei portanto de abnegados treinos bi-semanais de 40 km em estrada, com um desnível acumulado inferior a 800 m, para uma etapa de 104 km com 3100 m de desnível acumulado, com largos troços pedregosos onde, por mera vaidade, não me coibi de ultrapassar por várias vezes o "red line" muscular só para não pôr o pé no chão. À conclusão: como se calhar não terão reparado eu chamo a atenção para o facto de a minha foto-reportagem não incluir fotos a partir de Paradamonte até ao fim da primeira etapa (são cerca de 30 km), isto porque estava demasiado entretido a tentar controlar um ATAQUE SELVAGEM DE CÃIMBRAS. :cry:

Enfim, como o que não mata engorda, fiquei inoculado para o resto da travessia. Já tinha tentado a sorte o ano passado na Travessia dos Pirinéus, e há dois anos na Travessia de Portugal (a dos amadores, claro), para onde também fui sub-treinado mas aí as coisas começaram mais suavemente e safei-me melhor. O Dragão, no entanto, não perdoa, nem o Major :twisted:, que me tirou uma foto muito ao loooooonge na subida para Brufe. O que me vale é que o mero prazer que retiro de pedalar no monte tudo compensa.

Assim sendo, bora sub-treinar! :lol:
 

NetWarrior

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

espectacular !

Fazem essa travessia anualmente ?

Se alguns "marroquinos" quiserem fazer essa travessia como é ?

Dorme-se ao relento ?
Melhor altura do ano para a aventura ?

Budget ?? (€)

(shame on me ! ainda não li todo o relato... pois merece TODA A atenção e como não quero ficar duas semanas sem dormir a pensar em tal aventura por agora nem me atrevo... :twisted:)
 

Nox

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

A T.D. tem de ser feita seguindo o track GPS. Vou pugnar para que o track completo, 2008, esteja em gpsbtt.planetaclix.pt o mais rapidamente possível.
Dormir ao relento é uma possibilidade mas recomendo reservar dormidas, usando net e telefone, em vários pontos do pecurso.
Melhor altura do ano é fim da Primavera, princípio do Verão, dias compridos, vegetação viçosa e tal. Com chuva a coisa endurece bastante, é melhor seguir as previsões meteorológicas até à última hora. Sem chuva pode-se viajar mais leve (uma mochila de 5 kg já com 2 litros de água é o mínimo que se consegue, penso eu) e aumenta o prazer da experiência.
 

indy

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Nox said:
Eu, fiel aos meus princípios, num primeiro momento repudiei a própria ideia de comer algo que não fosse uma sande rançosa que transportasse comigo há pelo menos dois dias, mas os senhores foram tão simpáticos que ... bem, não os quis desiludir ... é isso.

Pois claro, nem podia ser de outra forma... :mrsock:
 

Nox

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Olha que é a mais pura verdade. Caiu-me tão mal aquele almoço que andei a arrotar a alheira durante dois dias! :wink:
A culpa é toda do Rui.
 

lobo solitario

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

Quem arrota pede bolota
Boi velho gosta de erva tenra
Guardado está o bocado para quem o há-de comer
O Major é mau se não deixa comer...
o Major é mau porque "obriga" a comer...
o Major é, simplesmente, mau!
Preso por ter cão, preso por o não ter.
A alheira é má por só ter pão,
a alheira é má por não ser sandes.
Cão que ladra, não morde na alheira, arrota
Paga o justo pelo comedor
(porque não bebeu o tinto que o diabo amassou)
Quem arrisca não petisca
Quem petisca, quer comer alheira
Galinha de campo não quer capoeira (na próxima mandámos vir cabidela).
Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão (e todos arrotam)
Deus dá nozes a quem não tem dentes

Miau
 

Nox

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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

E lobo que mia é abominação que arrepia.
 
Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

bemmm :shock:
Já me bastava um relato excelente, agora outro equiparado.

Anda bem que o BTT tem destes artistas da prosa e do pedaleio por terras da maioria das gentes desconhecida.
Excelente :#1:
 

Ludos

Benevolent dictator for life
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Re: Travessia do Dragão (versão integral 2008)

:eish: :eish: :eish: :eish:

Depois da versão "retail", tinha que vir a versão "Deluxe" com os extras todos e o "Director's Cut".

Ainda bem que voltei a abrir este tópico :mrgreen:
 
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