Finalmente deixei-me de tretas e escrevi o relato de um dia de pedal. Para começar foram só 12:00, nada mal!
Acho que ainda não coloquei aqui o link para as minhas fotos, aqui vai:
http://picasaweb.google.com/ruimssousa/Transportugal2009#
Dia 1: Bragança – Freixo: 141 km
Apesar de ter dormido pouco, acordei logo que o despertador tocou e bastante desperto. O Sol lá fora já estava forte, e ainda não eram 7:00 sequer. Tive de acordar tão cedo porque a primeira atleta partia às 7:12, a Kate Pruzack, uma senhora com uns respeitáveis 56 anos, esposa de outro participante repetente, o Gary Johson. Uns minutos depois partia a Kim Bear, também repetente do ano passado e depois pude aproveitar um intervalo de 30 minutos entre partidas para tomar o pequeno-almoço.
Este primeiro dia é complicado para colocar os trackers, pois ainda não conheço toda a gente. Mas como a etapa era grande e as partidas espaçadas não falhou nenhum.
Fui-me preparando (a rotina diária de ar nos pneus, protector solar, comida e água) e às 9:00 sai com os últimos. A ansiedade era grande entre toda a gente, excepto para o Luís Guerreiro, que tranquilamente atendeu uma chamada a 1 minuto da partida!
A largada foi a grande velocidade, a descer por asfalto até à ponte do Rio Sabor. Felizmente logo na subida havia gente com juízo (pensava eu) e iam devagar, para aquecer como deve ser…
Assim fomos até Gimonde, onde havia alguns pessoas baralhadas com o GPS, mas rapidamente perceberam por onde era. Após Gimonde começava uma das grandes subidas do dia, até Figueira. E foi logo aí que me assustei com um participante da Rússia, o Evgeniy Akimenko.
Logo na entrada da subida estava parado, com um saco plástico velho na mão, apanhado do chão. Queria meter um pedaço do saco dentro da caixa de remendos, pois estavam a fazer barulho. Disse-lhe para meter também na bolsa de selim, pois devia ser daí que vinha o barulho. Mas estava tão nervoso que tremia todo…
Depois começou a pedalar, mas mal a subida inclinou um pouco, desmontou e foi a pé. Pensei que tivesse algum problema com a bicicleta, mas depois montou, fez 10 metros e voltou a desmontar. Eu fiquei de olhos esbugalhados, muito assustado! Ele não consegue subir isto de bicicleta! Ainda faltam 992 km até Sagres!
Mandei uma mensagem ao António Malvar a dizer que ia um concorrente dos russos a fazer a subida toda a pé. Aproveitei e fartei-me de tirar fotografias. O calor já apertava, o Evgeniy tinha 2 bidões na bicicleta e parava para beber de poucos em poucos metros. Eu ia pedalando um bocado, parava numa sobra, deixava o Evgeniy avançar e voltava a pedalar até outra sombra.
Aproveitei para ver a vista para trás, muito bonita, com Bragança a ficar cada vez mais ao longe e lá em baixo. Quando chegámos ao fim da subida o Evgeniy desapareceu, pensei até que ele se tinha perdido. Mas não, em plano e a descer em bom piso ele era rápido, só a subir é que parecia que só tinha taleiga, mal inclinava um pouco desmontava e ia a pé. Só para terem uma ideia da inclinação em que ele desmontava, penso que iria subir a Avenida da Liberdade a pé a parir do cinema S. Jorge. Incrível!
Mas voltando ao percurso, esta etapa para mim é das mais bonitas da Transportugal. Se me perguntarem o que tem de especial, digo que nada. É a combinação de cores, relevo, vegetação, rudeza, espaço. Pelas fotos não dá para ter noção, só lá estando! Quem nunca pedalou por estes lado não sabe o que perde!
Depressa entrámos na aldeia de Refega, onde passa o Caminho Português de Santiago da Via da Prata. Mais à frente passamos perto de Quintanilha, onde havia a Festa de Nossa Senhora da Ribeira. Muita confusão, carros parados na estrada e barracas de comes e bebes. Felizmente de bicicleta é fácil passar estas confusões, mas até bem dentro do trilho havia carros estacionados.
Subimos mais um pouco e descemos até ao rio Maças. No fim da descida estive um pouco de tempo à espera do Evgeniy, pois ele caiu logo no início e fez o resto muito devagar. Quando a descida era técnica ele também era lento, apesar de ter uma bicicleta suspensão total.
O troço seguinte era demolidor. Primeiro uma grande subida, logo a sair do rio Maças, com poucas sombras. O Evgeniy bebia quase de minuto a minuto e queixava-se do peso da bicicleta, que devia ter comprado uma de 9 kg. Pensei eu para comigo, ou umas pernas melhores…
Em Vale de Frades parámos uns minutos para o Evgeniy meter água e arrefecer os radiadores. A seguir a S. Joanico havia uma zona mais técnica, com muita pedra e vegetação fechada. O Evgeniy quase caia numas pedras, deu para aprender uns palavrões em russo! Já estávamos tão atrasados que perguntei ao Evgeniy se queria entrar na carrinha e ser deixado mais à frente. Ele disse que não, pois não queria ser gozado pelo companheiro dele, o Vladimir Orekhov. Tinha espírito de sacrifício, ia conseguir fazer tudo.
E realmente o Evgeniy era um duro. Andava devagar, mas queria sempre continuar. Se não houvesse tempos de fecho dos CP, acredito que ele teria feito as etapas todas, até dar mesmo o estoiro. Tinha era de levar luzes, pois ia chegar de noite nas etapas maiores.
Mas apesar de ele não querer desistir e do CP em Caçarelhos não ter hora de fecho, a segurança da prova estava em primeiro lugar. Eu não podia estar tão atrasado em relação aos outros concorrentes. Não estava a fazer segurança da prova, mas sim escolta particular a uma pessoa só. Por isso o Evgeniy teve de entrar para a carrinha e fomos até ao CP seguinte, em Sendim (do km 54 para o km 79).
Fiquei com pena de não fazer este troço, pois era um dos mais bonitos da etapa. Em planície, muito rápido, no meio de campos agrícolas. A fazer lembrar o Alentejo, mas muito mais plano!
Quando chegamos a Sendim estava o ultimo a passar, que era o Vladimir. Montei a bicicleta, comi à pressa e fui atrás dele. Mas não precisa de ter pressa, estava parado no centro da localidade a meter agua na fonte.
Perguntei-lhe se estava bem e ele perguntou-me se ainda dava para fazer a etapa toda. Disse-lhe que era possível, mas tinha de andar depressa. A saída de Sendim é feita em estradões agrícolas de bom piso, que permitem boas velocidades. O Vladimir era bastante mais rápido que o Evgeniy, mas já estava muito cansado e vindo de um país frio não se estava a adaptar ao calor. Quando as subidas eram mais longas tinha que para numa sombra para arrefecer um pouco.
Em Bemposta encontro uma concorrente que também estava mal por causa do calor, a Jacqueline Strachan, salvo erro escocesa. Ela queria tentar chegar ao fim, mas acabou por mudar de ideias e telefonei ao José Vaz para a vir buscar à aldeia de Tó (ou seria Lamoso?).
Como fiquei sem bateria no telemóvel (tinha-o colocado a carregar de manhã numa tomada sem energia) o José Vaz emprestou-me outro. E muita falta me fez!
Acelerei para tentar recuperar o tempo perdido para o Vladimir, mas fui tão depressa que quando cheguei ao CP seguinte, em Vila de Ala, ela ainda não tinha passado. Tinha-se enganado no caminho e eu passei-o sem o ver. Mas pouco depois apareceu e segui na companhia dele por pouco tempo.
O segmento seguinte era bastante divertido, por cima de grandes lajes de granito. Lembrava-me perfeitamente deste troço por o ter feito em 2003, mas talvez por ser uma hora diferente (eram 18:00, em 2003 passei por volta das 12:00) pareceu-me um local completamente diferente. Perto da antiga estação de Bruço (da linha do Sabor) estava o Carlos Ferreira, com uma insolação. Lá usei o telemóvel emprestado para chamar mais uma vez o José Vaz, o bombeiro de serviço!
Mais um pouco à frente encontrei outra vítima do calor. O Cristopher Smith estava parado, perguntei se estava tudo bem, disse que sim e logo de seguida vomitou. Afinal não estava muito bem. Perguntei-lhe se queria que o viessem buscar ou se consegui ir até à estrada. Ele disse que continuava, fomos muito devagar até Lagoaça, onde estava o José Vaz à nossa espera.
O último CP era perto, mas como já estava fechado não deixámos seguir mais ninguém. Não havia ninguém no trilho, pelo que até ao CP fui por estrada para varrer o ultimo segmento.
Daí até Freixo já não encontrei mais ninguém, felizmente. Apesar de estar com quase 100 km feitos, sentia-me muito bem, fiz o troço o mais depressa que pude, mas parando várias vezes para tirar fotografias. É aqui que se passa aquele local onde se vê o Douro pela primeira vez e onde é obrigatório tirar uma foto! Considero que é a descida mais perigosa de toda a Transportugal. É um estradão de terra largo e com bom piso…mas a paisagem é tão linda que não conseguimos deixar de olhar para o lado.
A aproximação a Freixo também é muito divertida, com um ligeiro sobe e desce, muito rápido e com muitas curvas. Perto de Freixo vi um bicho a fugir, não sei se um gato, se uma raposa, pois tinha a cauda muito felpuda.
Cheguei a Freixo às 21:00, 12 horas depois de ter saído de Bragança. O jantar foi no restaurante Cinta d’Ouro, as já tradicionais saladas de entrada e depois lombo de porco grelhado. A sobremesa já não me lembro o que foi, mas era muito boa!
Depois do briefing da organização fomos dormir para as Moradias do Douro Internacional (
http://www.cm-freixoespadacinta.pt/?doc=70&menu2=5). Já estava para lá ir há muito tempo, pena que desta vez foi muito de passagem! Mas deu para apreciar a vista de manhã e tirar umas fotos. Também tivemos a visita de um gato oferecido, que nos veio pedir mimo e rebolar à porta!