Um bom rescaldo deve ser partilhado (desculpa)
Caros aventureiros, venho partilhar convosco o rescaldo de um grande parceiro de pedaladas que, a meu ver, de tão bem escrito que está merece ser colocado neste Tópico.
As minhas sinceras desculpas para ele, que muito me pediu para não mostrar a ninguém, mas como infelizmente estive a trabalhar e não o pude acompanhar.......toma lá disto.
RESCALDO DO TROIA /SAGRES 2010
Um homem quando se propõe a fazer uma coisa destas, devia bater com a cabeça no chão três vezes, desligar o despertador e passar a perna por cima da Maria e deixar chegar as 10h00 da manhã para o pequeno almoço.
Treinos para esta loucura até correram bem mas, a partir da Cimeira da NATO, só consegui fazer ginásio, e sabia de antemão que pagaria caro.
Passagem para Tróia no primeiro barco ( 06h45) e, foi um regresso de 20 anos, chegar a Tróia de barco mas em cais diferente, e em paisagem diferente.
Não sabendo de antemão qual o local correcto da partida parei para aliviar a bexiga na primeira rotunda e, esperei pelo amigo Mário que tinha cumprimentado no barco, juntamente com o seu grupo.
Inicio com a colocação a zero do aparelho, lá se começou a rolar em ritmo moderado ( muito moderado).
Pelos 10/12 Km o telefone toca, e, pensando que seria o meu carro de apoio atendi perdendo o grupo, que até conseguir retomá-lo foi um ai Jesus logo ali, ao inicio da cruzada.
Retomada a cauda e, iniciando o repouso, denotei logo os frequentes zig-zag´s de pessoal de estrada, pouco habituados a estas andanças de grupos de 15/20 elementos.
Saltei para a frente no intuito de impor um ritmo mais elevado e rebocar o comboio., 35/36 Km/h, e ao olhar para trás estava sozinho. Bom isto começa bem…… Não queria seguir sozinho porque:
1º Não conhecia o percurso.
2º Não tinha GPS.
3º Tinha uma pessoa conhecida no grupo que como já lhe tinha dito que iria com eles, apesar de me informar que não tinham hora para chegar e, certamente iriam utilizar as luzes na chegada.
4º Tinha o meu carro de apoio a tentar-me localizar.
Até Sines fui com o grupo num permanente estica e encolhe o que fazia uma quebra de ritmo e sujeito a quedas derivado ao zig-zag.
A partir do abastecimento em Sines segui sozinho, ou seja, apanho um, sou passado por outro que sigo na roda e, largo mais à frente.
Rolei muitos Km´s sozinho, mas também rolei muitos km´s atrás de estradistas o que me fez forçar o andamento e, também me fez avançar muitos Km´s.
Km 126 – pé no chão e, sensação estranha, aliás muito estranha, o pensamento de desistir.
Nunca me tinha acontecido na minha carreira desportiva, uma sensação de reserva no fim, sem força, sem ânimo, sem companhia, sem saber o que fazer.
Curiosamente o meu telefone toca, atendi julgando ser o mau carro de apoio, mas não era, era uma voz feminina de pouca idade a perguntar-me como estava a correr. Afirmei-lhe que estava a passar mal e, talvez fosse desistir. Retorquio-me com uma simples afirmação “ Pai, não acredito, tu que me ensinas-te a nunca desistir naquilo que nos propomos a fazer, e, agora desistes”, desligando-me peremptoriamente o telefone. Toca de novo e era a mãe, afirmando-me que quando desligou, disse-lhe que me iria chamar ( fraco, fraquinho) da mesma forma que eu lhe chamo quando ela desiste.
Tomei um gel bebi um simples gole de água, e montei iniciando novamente a marcha.
Passa um grupo de estradistas por mim com gente conhecida ( Ferroviários de Vendas Novas), colei-me a eles, não sei de onde veio a vontade, de onde veio a força, mas também não interessa, o que é certo é que teria que chegar ao fim, isso era um ponto assente, e inquestionável.
Antes do Rogil numa das paragens junto ao carro de apoio, afirmei ao técnico que me acompanhou, que iria tomar uma decisão da minha continuidade na aventura.
No Rogil, perguntou-me “ como estás?”, ao qual respondi “ Forte”.
Sabia que o pior estava para vir, perante os gráficos de altimetria e os acumulados, estava para vir as subidas e o vento iria intensificar-se.
Foi o que aconteceu, as subidas de Aljezur são imponentes e a Carrapateira até se fez bem.
O vento soprava se Sul em lateral esquerdo, o que fazia que mesmo a descer quase parava.
As cãibras já se notavam e, não as conseguia tirar em andamento, tinha que parar, andar e retomar o pedal 20/30 metros mais à frente.
A pulsação caia abaixo do aceitável e, permitindo-me o acompanhamento de alguns estradistas que se chegavam a mim, durante 5/10 Km a médias de andamento por volta dos 30 Km/h, mas quando me tocava a mim a puxar, era impossível segurar aquela velocidade, descolando do grupo, não mais os apanhando.
Já perto da Vila do Bispo, colei-me a pessoal ( estradista) da Fidalbike do Barreiro, que me rebocaram durante a marginal de Sagres, marginal essa que o meu técnico me tinha dito que eram 6 Km com vento pelas costas. Foi rolar a 35 mas com vento…. Igual ao anterior. Não aguentei e tive de desmontar novamente. Era a minha quinta vez que fui obrigado a desmontar derivado às cãibras. O final estava à vista. Já via de regresso muitas bikes em cima dos carros, e, o que me alegrava era que a maior parte eram estradistas.
Na última rotunda já dentro de Sagres, lá estava o meu técnico, o meu mecânico, motorista e aguadeiro, a indicar-me o sentido dos meus últimos metros desta louca aventura.
Pé no chão, desligar o aparelho, e a queda da última das muitas lágrimas desta aventura.
Não dei hipótese da minha filha me chamar de “fraco, fraquinho”, sabes Deus com que esforço, espero que ela me consiga fazer o mesmo durante o seu percurso de vida.
A quem me ajudou nesta aventura o meu OBRIGADO, especialmente ao meu amigo Pedro que somente fez de aguadeiro, motorista, técnico, levantando-se no dia após o seu aniversário, bem cedo, acompanhando-me quase ao Km, e chegando a correr ao estádio do Vitória para ver o seu Sporting perder daquela forma.
Não é etapa doce, tem o seu esquema de concluir.
Para quem nunca fez e quer ler acerca das dificuldade a encontrar, não tem muito por onde navegar.
EU FUI, mas de roda 26 ( BTT) nunca mais……..
Km - 200, 02
Tempo – 07h52
Ass: não posso revelar tudo né???