Capítulo 2 – do SRP160 até ao eoX240
O eoX240 deixou de ser uma hipótese, nomeadamente porque o Vitor, o único gajo que me acompanhava em aventuras realmente longas, não podia ir a essa prova. Como estava inscrito para a maratona de Portalegre, continuei a treinar, e quando lá cheguei senti-me bem e fiz bem melhor do que esperava (6’06’’), o que me deu alento. Pela mesma altura, o Francisco, o meu colega de trabalho e a minha referência nas provas de longa distância (atleta de ironman, actualmente mais dedicado a provas de aventura e ultratrails de corrida) mostrou-se interessado em fazer o eoX240 e fez-me acreditar que eu também conseguiria.
Com um colega experiente na gestão do esforço e decidido a tentar fazer uma prova de que me parecia uma loucura, mas com uma recompensa irrecusável: a possibilidade de fazer uma prova épica, pedalando da fronteira até ao mar pelas paisagens do Alentejo (que eu adoro) num dia. Com uma condição física que estava longe de dar garantias, foi altura de pedalar com mais frequência. Foram, durante várias semanas, 2 a 3 treinos de uma hora nos dias de semana, a dormir entre 4 a 5 horas, a sair da cama às 5h da manhã, a acordar verdadeiramente já em cima da bicicleta, e mesmo assim trabalhar entre 12 e 14h por dia (porque o trabalho nunca dá folga); volta curta ou corrida de 12kms no sábado e volta longa no domingo; aproveitar ainda uns buracos para dar umas corridas rápidas. Foi de arrasar.
Quando chegou a semana do eoX240 sentia-me nervoso, mas com a certeza de que não podia fazer mais nada. Dez dias antes da prova tinha-me lesionado nas costelas a jogar basket e tinha dificuldades em respirar fundo. Quando tive, no dia 11 de Junho, que ir ao hospital fazer radiografia pensei que o eoX240 estivesse cancelado. Mas não estava nada partido e, felizmente, pedalar era o único exercício que eu conseguia fazer sem grandes dores, embora passar nos buracos fosse dramático. Tive que andar encharcado de anti-inflamatórios/analgésicos durante vários dias, incluindo durante a prova.
Uma semana antes da prova fiquei a saber que o Luis (mais um valente dos ultratrails e amigo do Francisco) também se iria juntar ao grupo; toda a companhia era bem vinda.
Na véspera lá rumámos a V.V. de Ficalho, já bastante tarde. Chegámos ao destino às 2h da manhã e às 4:30h acordámos para começar a pedalar às 6h. Eu só pensava, como é que me vou aguentar fazer 250 kms sem ter descansado?
Eu, o Francisco e o Luis lá arrancámos às 6h. Furo para mim no 2º km. Furo para o Francisco uns 50 kms à frente. Outro furo para o Francisco e pneu rasgado. O Francisco descobre que levou câmaras-de-ar de estrada. Paragem para pôr ar no pneu do Francisco… umas 3 vezes. O Luis desesperava…
Lá fui pedalando, desfrutando dos trilhos e das paisagens, mas sem deixar de pensar como é que iria conseguir fazer o que faltava. Ao km 148 tive uma arritmia que me lançou para os 200 bpm e que nunca mais abrandava. O Luis disse que era melhor eu ficar por ali. Eu estava a ver as coisas mal paradas. Após 5 minutos, de repente, passei de 200 para 130 bpm. Meti-me em cima da bicicleta cheio de medo, a pedalar com muito jeitinho, mas não estava preparado para desistir. Passados 20 kms, o coração continuava calmo e comecei a sentir-me mais à vontade e passei a acreditar que aquilo até que se fazia – afinal de contas, já só faltavam 80 kms e atravessar a serra de Odemira… coisa pouca, portanto.
Nesta fase, tirava mais gozo de cada pedala do que em qualquer outra situação que me recorde. As paisagens, os trilhos, a companhia, o clima (que estava excelente), a serra, as barragens, a sensação de liberdade e de autonomia, o facto de já ter feito mais kms do que alguma vez tinha feito e a convicção de que iria alcançar o meu objectivo, criaram uma mistura única e um conjunto de sensações que dá satisfação só por as recordar. Fantástico!!! (acho que acabei de decidir que em 2012 volto ao eoX240).
O tempo foi passando, os kms também. Nesta altura estávamos a navegar com o geraldinho (GPS) do Francisco. De 30 em 30 minutos tínhamos que parar para ele substituir as pilhas que tinha comprado à entrada do Metro. Para além disso, o geraldinho tinha a mania de indicar onde é que estávamos há 10 segundos atrás, o que fez com que nos enganássemos cada vez que o caminho tinha duas alternativas. Ultrapassámos e fomos ultrapassados pelas mesmas equipas uma quantidade infindável de vezes. Quando nos aproximávamos do final caiu a noite e os últimos kms foram aborrecidos, porque não dava para perceber o caminho e não se fazia ideia de onde estávamos. Às 22:35 fomos cobertos de glória: fomos recebidos ao som dos aplausos do staff da prova na praia da Zambujeira do Mar. Sensação indescritível e inesquecível.
Para nos ajudar a enfrentar o desafio tivemos um apoio logístico de luxo. Uma carrinha tripulada pelo Helder, cheia de tudo o que era necessário, incluindo quantidades industriais de arroz-doce e coca-cola, esperava por nós em todos os abastecimentos.
Os percalços, as paragens retemperadoras e o ritmo abaixo do limite, fizeram com que o tempo demorado não seja motivo de orgulho (16’35’’), mas, claramente, não estávamos lá pelo cronómetro.
(continua)