Boas
O que dizer...
Agradeço aos meus avós por terem feito os meus pais...
Agradeço aos meus pais por terem-me feito e criado...
Agradeço à organização da prova Grandola 100 kms o enorme carinho, trabalho e profissionalismo colocado ao dispor de quem teve o privilégio e honra de participar neste evento.
Comecemos a crónica…
A chegada:
Lisboa a Grandola em cerca de uma hora de carro sem grandes acelerações.
O dia 22 afinal começou no dia 21 com o arrumar das coisas e preparar o material. E nisto esqueci-me do shampoo e gel de banho...
Também não houve problema, mas depois eu conto.
Dia 22 de Outubro de 2005, para variar um pouco mas não muito, de 3 despertadores colocados para as 4:00 horas nem um tocou...
A sorte é o Pedrosa, com o nervoso miudinho, ter acordado a horas e ter ido buscar-me conforme combinado!
Uma viagem bem agradável a falar de tudo e mais alguma coisa.
Ao aproximarmo-nos de Grandola vimos logo carros e bicicletas, muitos carros e muitas bicicletas!
A chegada, o descarregar burras, vestir a fatiota para o passeio e depois ir à cata do pessoal conhecido via ciber espaço. E como o meu navegador nestas coisas chama-se Pedrosa que até tem olho para estas coisas lá descortinou o Doc mais a sua bela montada. E junto ao Doc estava o nosso administrador Luis e o Superbiker que mesmo lesionado não deixou de aparecer.
Conversas de ocasião e nisto chega o Hugo e o Luis e por incrivel que pareça o Hugo é que tinha olheiras fundas de quem não dorme a embalar bébes.
Vá-se lá adivinhar porquê...
O espaço de concentração tem optimas condições sendo de salientar a celeridade com que o secretariado despachou o pessoal todo e eram muitos, não faço ideia de quantos (600?) mas eram mesmo muitos.
Após o briefing de boas vindas, segurança e informações complementares, onde o responsável pelo micro teve o cuidado de salientar que devido às fortes chuvadas, sempre imprevisiveis, existiam troços do percurso que se tinham tornado muito perigosos sendo aconselhável, senão quase obrigatório para nossa segurança, desmontar e passear a burra durante o trajecto mais complicado onde uma queda podia ter consequências fisicas muito graves.
Partida, largada, fugida!!!
E por duas vezes largamos para a prova, uma dentro do complexo desportivo e outra já em pleno troço fora de Grandola urbana.
E para nosso azar e sorte (já explico) apanhamos uma chuvada bastante copiosa e persistente que praticamente nos acompanhou durante 25 kms (estou-me a referir ao terço do pelotão para trás).
Os caminhos, estradões, tracks e singles tracks estavam um espanto mas devido a chuvas anteriores o piso estava muito macio e escorregadio tendo que se aplicar uma força extra a pedalar para a tracção ser razoável (e eu com pneu traseiro de piso seco...). Houve zonas completamente em lama onde mesmo com pica ainda do principio a única solução era desmontar e passear a burra, houve subidas que, mesmo com piso seco, era de todo bastante difícil subir sentado numa bicicleta, houve alturas que mesmo em subidas fáceis as pernas devido ao esforço da lama não correspondiam da melhor maneira quando era necessário aquele esforço extra. Mas isto eram os primeiros 25/30 kms onde a direcção da prova decidiu que era necessário alongar o pelotão...
Neste primeiro troço as subidas eram bastante difíceis e houve uma parte do troço que mesmo desmontado passar tornava-se perigoso porque o caminho estava inclinado para fora dando para um belo de precipício com zonas em que a altura seria uns bons 10/14 metros (autênticas ravinas) e para ajudar à festa com um piso ultra escorregadio que mesmo com botas com pitons de nada serviam para aderir e fixar ao terreno lamacento e traiçoeiro.
Muito sinceramente espero que ninguém tenha caído nessa zona e se caiu que não tenha sido nada de grave. Entretanto, sendo imperdoável da minha parte ainda não ter referido isso, as paisagens e os cheiros característicos da floresta eram extraordinários e por vezes só a visão daqueles singles e tracks "lavava" o cansaço fazendo novamente o sangue “bombar” para as pernas em grande quantidade!
E para não variar eu o Pedrosa e o Doc, que fomos em grupo, lá andamos a ajudar pessoal que se viu empenado no meio do trilho. Numa dessas alturas não é que passa esse jovem cheio de pica em plena subida que dá pelo nome de ANÍBAL JUDAS, vulgarmente conhecido por estes lados como A. Judas?
Só deu mesmo para cumprimentar porque ele não podia perder o ritmo e eu estava agachado com a corrente nas mãos para o outro enfiar o elo de união. É de louvar este grande desportista/betetistas que com umas condições adversas não deixou de participar em grande estilo afirmando a sua verdadeira idade:
19 aninhos acabadinhos de fazer!!!
E as senhoras?
À pois também marcaram presença e de que maneira. Lá para os lados onde andava (final do pessoal) iam pelo menos 3 senhoras todas bem dispostas e absortas na arte de bem pedalar uma bicicleta e não se pode dizer que não iam cansadas, porque isso estávamos todos, mas que a força de vontade era muita para acabar isso era!
Um especial agradecimento a estas verdadeiras amazonas do pedal que sofreram e muito neste primeiro terço da maratona.
Após o primeiro reabastecimento a pergunta era obvia para os elementos lá presentes:
- Agora é mais fácil não é?
Mais que uma pergunta era um desejo!!!
E sim foi ligeiramente mais fácil no piso mas com subidas de partir e acabar com as últimas forças (se é que ainda as havia...). O trio maravilha (Cóco, Facada e Ranhada, Pedrosa Doc e Américo respectivamente) ainda teve dúvidas em seguir para a G50 ou a G100 (uma bifurcação no trilho com essa opção) mas como eu tinha vindo para levar as minhas capacidades ao extremo e ver qual era o meu limite fiz força para o G100 e lá fomos nós.
Cansados, rebentados, e mal-humorados pelo conjunto das duas primeiras, lá seguimos subidas acima onde eu já tive de desmontar mais vezes visto não ter "avózinha" desde o principio da maratona e onde até aos 50 kms as subidas, quando feitas em cima da burra (e foram muitas), eram no prato do meio e no primeiro carreto das mudanças (o maior). O desgaste foi grande mas não impeditivo da minha continuação em prova para os 100 kms.
O meu andamento era ligeiramente superior ao dos meus companheiros de pedal e por isso antes do segundo reabastecimento resolvi ir no meu andamento normal o que me deu um distanciamento do Pedrosa e Doc, mas chegado ao reabastecimento claro que esperei por eles!
Esperei, esperei e tornei a esperar e lá apareceram eles totalmente rebentados, vou repetir em letras grandes para não haver dúvidas:
TOTALMENTE REBENTADOS!!!
(Não faço a mínima ideia de qual clube e partido politico são eles mas pela sua (deles) cara/cor são do SLB e votam no PCP...)
Verdade se diga que o segundo reabastecimento era no fim de uma enormíssima subida bem íngreme e muito complicada...
Nestas condições e sendo ainda a prova longa resolveram ficar por ali encurtando caminho e seguindo directamente em alcatrão (+- 20 kms) para o local de partida, a primeira, no polidesportivo.
Sábia decisão deles mas aqui o "je" que até é teimoso que nem um burro e ainda não tinha visto o "fundo ao tacho" resolveu continuar a testar as capacidades físicas e anímicas e lá continuei para um interminável solo de +- 50 kms até ao polidesportivo.
Ressalva importante:
Fui antes do segundo reabastecimento que apanhamos um caminho entre montes, tipo vale, que seguia ao lado de um pequeno ribeiro que foi a coisa mais deliciosa e espectacular de se fazer!!!
Uma palavra:
FABULOSO!!!
Diverti-me imenso a fazer aquele bocado de prova e mesmo que não acabasse a prova só aquele troço (que nem fui assim tão pequeno...) valia o esforço feito até ali.
Continuando:
Após o segundo reabastecimento e já com Sol o terreno alterou-se e para mim pareceu-me muito mais fácil e agradável porque o terreno secou rapidamente e a lama diminuiu (ou era do terreno que não empapava tanto…). Foram kms e kms a pensar no governo, nas gajas, e no aquecimento global...
Entretanto ia apanhando um valente susto:
O meu medo de andar sozinho nestas paragens resume-se a uma coisa muito simples:
Gado bravo, vulgo toiros, bois, bichos de cornos que marram, e não é que apanhei uma manada de vacas a atravessar o caminho?
A medo e pedalando muito devagarinho lá passei mesmo a 1 metro delas:
Elas olhavam para mim, eu olhava para elas, elas olhavam para mim e eu tornava a olhar para elas mas sem movimentos brusco e preparado para desmontar e correr...
Nada se passou e lá continuei o caminho embrenhado nos meus pensamentos profundos sobre o ser e a subjectividade ética da verdade e dos bens terrenos e afins como as gajas...
(Eu a falar de gajas mas se me aparece-se uma descascadas no caminho nem sequer parava devido ao cansaço mas se alguém me pergunta-se o porquê de não ter parado mentia dizendo que me pareceu uma alucinação e não queria perder o ritmo só para confirmar que era uma miragem...)
E continuando para bingo...
Mais um troço extraordinário, também do mesmo calibre que o descrito na ressalva do "antes do segundo reabastecimento", e a continuação do interminável solo até ao terceiro e último reabastecimento onde encontrei uns companheiros do pedal a lavar as burras num tanque ao lado do caminho. Disseram eles que era para ficarem mais leves...
Tomara!
A quantidade de lama seca era tanta que não me admiro nada que se levasse mais um ou dois quilos de lastro à sua conta!!!
E foi neste reabastecimento que fui informado que o troço fechava ás 17:30 horas, ora faltando ainda 40 minutos para essa hora e não sabendo eu que tipo de tormentas ainda ia encontrar pelo caminho, lá fui rapidamente a descoberta desse Portugal desconhecido…
Foi queimar as últimas energias (se é que ainda as tinha…) perscrutando o horizonte e de olho no relógio a controlar o tempo.
Que stress!!!
Angustia…
Suores frios…
E por fim lá cheguei ao ponto de controlo ás 17:25 horas!!!
Que alegria!!!
Foguetes…
Musica no ar…
Ainda no ponto de controlo mostraram-me uma placa a dizer:
+- 18 kms
E disseram-me:
Para a esquerda são estes kms (a subir ainda por cima!), para a direita ( a descer…) atalha caminho e são menos.
Mas eu teimoso como um burro, estúpido que nem uma porta e cheio de “tesão do mijo” adivinhem para onde fui?
Esquerda claro!!!
Mas eu tinha pago 100 kms ou não?
Também queria o que os outros tiveram, nem mais, nem menos!!!
E mais singles e tracks, tracks e singles, trilhos pelo meio, estradões alguns, subidas que me pareciam já autênticos Alpes plantados à minha frente, lá continuei.
Já escurecia…
Uma nova ressalva, as marcações mesmo para um despistado como eu estavam muito boas e bastante visíveis.
P.S. Ainda têm pachorra para ler mais?
Não?
Então vou continuar…
Seria muito importante que certas pessoas tivessem um pouco de atenção, porque passei por muito sitio onde garrafas, embalagens de barras e outro lixo estavam plantadas no meio dos trilhos. Eu compreendo na zona circundante dos abastecimentos (que estiveram bem na localização e viveres) existir lixo mas nos trilhos é de todo dispensável. E o mais enigmático foi encontrar embalagens (cápsulas) bebíveis espalhadas ao longo dos trilhos nomeadamente para o fim. O que eram não sei (substancias legais ou ilegais). Ainda pensei em apanhar algum lixo mas como ia lançado na recuperação em direcção aos lugares do pódio não podia perder tempo…
E no meio dos trilhos encontrei um pau, com uma cruz pendurada e uns sapatos por baixo na berma de um troço que tinha acabado de ser lavrado estando mole e enterrando os pneus…
Era mais uma prova de fé e coragem onde até os sapatos ficavam?
(Este pessoal da organização tem sentido de humor sim senhora!)
Descidas espectaculares onde o cansaço deu lugar à pica e largar os travões foi palavra de ordem, se me enfiasse numa árvore ou arbusto ficava ali mesmo mas já não me ralava, queria era curtir…
(Verdade se diga que houve partes que deixei de ter travões…)
Chegada:
E a muito custo e com muito sacrifício pessoal consegui finalmente vislumbrar alcatrão com a indicação de Grândola mesmo ali perto!
Que emoção, público, bandeirinhas, palmas, vivas, foguetes, gloria, dinheiro fama, gajas (gajas outra vez, irra!)…
Público népias!
Bandeirinhas foram-se!
Palmas, onde?
Vivas já eram.
Foguetes, então foguetes, vai sonhando!
Gloria, só se for o jogo…
Dinheiro, até tenho umas piadas interessantes…
Fama, só se for a de burro e casmurro.
Gajas, poça outra vez!!!
Tive a honra e privilégio de passar debaixo da tenda/arco do Red Bull sem os items acima descritos, cansado, rebentado dorido, porco, esfomeado e sedento…
E sabem que mais?
Que se lixe o público, as bandeiras, as palmas, os vivas, os foguetes, a gloria, o dinheiro (pronto já começas a aparvalhar…), a fama e as gajas (estás parvo ou quê???).
O sentimento de orgulho e satisfação de ter acabado a G100 na primeira vez que participei numa prova com esta distância e com este grau de dificuldade é uma recordação que me acompanhará para o resto da minha vida e isso ninguém me tira!!!
Já o Pedrosa (este homem é um santo!) estava farto de esperar por mim e eu mesmo sem tomar banho, porco, nojento e totalmente estoirado dirigi-me ao “refeitório” para jantar. Era o ser mais imundo dentro daquele pavilhão mas também devia ser um dos seres mais feliz e satisfeito dentro daquele pavilhão.
E lá “tropecei” no caro administrador deste fórum (Luís Silva) e Superbiker na fila para jantar. A cara de admiração e nojo deles era visível mas como diz o outro, siga a banda!!!
Comi sem lavar as mãos (o que não mata engorda) bebi um trago, despedi-me sem apertos de mãos e toca a ir para os balneários lavar o corpinho moído e porco.
O bolo estava fantástico!!!
Um agradecimento especial ao pessoal que se esqueceu de sabonetes, gel de banho e shampoos nos balneários. Deu muito jeito porque eu esqueci-me dos meus em casa!!!
O resto é amendoins.
Além de que tivemos (eu e o Pedrosa) uma excelente viagem até Lisboa
Fim da crónica deste vosso escriba pseudo/afilhado com o Luís Vaz de Camões.
Luís Vaz…
Vai mas é dormir que o teu mal é sono!
Já agradeci, já contei e já aparvalhei, agora chichi e cama.
P.S. Obrigado Doc, a mistela vai cair que nem ginjas!
Um abraço
Américo Ribeiro