Como herdeiro de 2-3 ha de terra minhota poderei ter uma visão diferente das até agora expressas.
1- Qualquer minhoto "normal" que optasse, como eu fiz, por florestar esta área escolheria plantar eucalipto ou pinheiro bravo. Dentro de alguns anos (não muitos) poderia ganhar uma nota. O problema é que quando os romanos por aqui andavam a coordenar a construção das suas redes viárias, algumas das quais ainda nos deliciam, a floresta era essencialmente uma fagossilva. A espécie dominante era o carvalho alvarinho e, nas terras mais altas, o carvalho negral. O carvalho é uma espécie que cresce devagar e que não suscita grande apreço pelas gentes aqui da terra. Tivesse eu plantado eucalipto e o povo diria: "Muito bem. O Sotôr tem aqui uma bela bouça, um bom dinheirinho". Tivesse sido o pinheiro o escolhido, essa gente diria: "Caramba que o Sotôr vai tirar daqui umas belas traves". Como optei por carvalho como espécie dominante pois achei que era a que faria sentido, o povo pergunta ao meu vizinho: "O tipo não quer vender esta lenha? Fazia aqui um belo monte de canhotas pró lume". É evidente que eu não conto com a minha pequena floresta para subsistir mas, se precisasse, iria tentar encontrar um equilíbrio entre o número de espécies resinosas e o meu caro carvalho alvarinho. A ganância (ou necessidade desesperada??) leva a que montanhas inteiras sejam transformadas em monoculturas de eucalipto. Ainda há pouco tempo atrás passei pela zona de Águeda e fiquei desolado pela extensão do eucaliptal. Esta estratégia de alterar o que a natureza seleccionou como a solução viável (incêndios sempre os houve, mesmo antes do Homem saber fazer fogo) não é nova. Os compêndios de História do tempo da outra senhora já aplaudiam a iniciativa de D. Dinis na zona de Leiria. O problema de plantar fósforos é que tanto se pode fazer bom dinheiro como, de um dia para o outro, podemos ficar mais pobres. Ao contrário de uma floresta endógena, de predomínio de caducifólias, esta monocultura não sustém grande variedade animal ou permite o crescimento de outras árvores. Pior que o eucalipto só mesmo as exóticas invasoras que nem valor comercial possuem: acácias, ailantus e robínias. Pode ser que, a esta hora, o que vi para essas bandas de Águeda esteja pintado de negro.
2- Qualquer tipo "normal" que tivesse uma vida financeira confortável estaria, neste momento, a passear nalguma praia, a frequentar alguma esplanada ou a visitar uma qualquer atracção turística no mundo em vez de se entreter a partir as costas a limpar a sua pequena floresta de estimação. As silvas não dão tréguas, a erva seca poderia dar pelos queixos se a deixássemos descansada e os fetos estariam certamente a invadir todo o terreno. Mesmo de menor capacidade combustível, mesmo os carvalhos, castanheiros, amieiros, bétulas e árvores de fruto ardem se existe mato para causar a sua ignição. Os meus vizinhos devem achar-me ainda mais louco ao ver-me dia após dia a lutar contra essa fúria vegetal. Pensarão: "Se tivesse posto eucalipto não estaria para aí feito maluquinho a lutar contra as silvas". De facto, o meu investimento é a mais longo prazo. Espero que, quando as minhas jovens árvores cresçam, façam um ensombramento adequado de modo a atrasar o crescimento das espécies mais rasteiras. Enquanto esse dia não chega, resta-me partir o corpo. No entanto, esse dia poderá não chegar se algum fogo visitar algum vizinho que prefira eucalipto ou pinheiro e se descuide na limpeza da sua mata. O Gerês é um exemplo dessa situação. Anos consecutivos de fogos eliminaram as árvores grandes e a terra foi povoada por espécies rasteiras, vulgo mato (urze, carqueja, tojo, codeços, giestas, o número é enorme). Sempre que pegam fogo não há grande coisa a fazer. O problema é que ajudam esse fogo a chegar junto da pouca floresta que ainda existe e a matá-la definitivamente. Reflorestar? Porque não o fazem? E, se o fazem, porque põem lá pinheiro?
Apesar de "anormal" acho que, enquanto se preferir os 3% do PIB a uma floresta saudável, será difícil não ter fogos. Enquanto as actividades de silvicultura se limitarem à plantação e descuidarem a manutenção, não há saída possível. Enquanto o povo acha que o monte comunitário deverá ter erva para os cavalos, as vacas e as cabras e, periodicamente, chegar o fogo ao mato, não teremos floresta. Enquanto o povo português se limitar a atirar as culpas aos outros continuaremos a ter incêndios. Enquanto o povo português não pensar com o cérebro e, apenas com o coração e a algibeira, o país continuará a arder. Felizmente, dentro em pouco tempo, os incêndios deixarão de me causar tanta angústia pois não haverá mais nada de valioso para arder.