Para a 3ª etapa, tínhamos planeado ir desde Porriño até Caldas de Reis.
3º Dia - Tui-Pontevedra (49 kms)
Nesta etapa teríamos que recuperar o atraso do dia anterior (16 kms) e chegar a Caldas, mas como se vê pelo titulo, os objectivos voltaram a falhar.
Segue o relato deste dia:
Às 6 horas da manha estávamos prontos para sair (quer dizer, o roda 28, como sempre estava atrasado). Sendo assim saímos do albergue às 6:30 e dirigimo-nos ao local que nos tinham indicado para o 'desayuno'. O café chamava-se Boby bar, e surpresa, quando lá chegamos estava fechado! Uma espreitadela para o interior, deu para ver que estava lá gente. Batemos à porta e um senhor veio abrir, olhou para nós, mandou-nos entrar e fechou a porta de imediato. Disse-nos que não gostava da "movida" e que só lhe davam problemas.
Questionámo-lo se este movimento era habitual de Domingo para Segunda (será que o pessoal não trabalha?), ou se teria a ver com o Halloween. Diz-nos ele, que é sempre assim, "...não é por acaso que a taxa de desemprego neste pais está tão alta, e os pais trabalham para os filhos gastarem" (iríamos entender muito bem estas palavras alguns quilómetros à frente).
Comemos uns 'bocadillos' de queijo e fiambre (o pão era fresquíssimo) e meias de leite com direito a reforço. Recomendamos vivamente o local, pena foi, não termos pedido o carimbo na credencial (a fome e a pressa era tanta!!).
Depois de sairmos do Boby, foi hora de ligar os sistemas de iluminação e sair de Tui.
De inicio apanhamos algum alcatrão, mas rapidamente o caminho passou para trilhos com alguma lama.
Sempre que a visibilidade do caminho se resumia às nossas lanternas adoptávamos sempre a mesma formação; um Dakota 20 (GPS) à frente, a bike com a Cateye em 2º (lanterna mais potente), o roda 28 (que não tinha lanterna à frente) em 3º, e o outro Dakota 20 a fechar. Esta formação permitia-nos corrigir eventuais erros de percurso e evitar obstáculos.
Não sabemos se esta árvore sempre esteve assim (partida no meio do caminho) ou foi derivado ao mau tempo.
Chegamos à zona industrial de Porrinho, por volta das 8:30.
Cruzamos a Autovia do Atlântico.
Quando chegamos ao centro de Porrinho, encontramos um peregrino a pé português, que estava com dificuldades físicas. Já procurava boleia ou para Santiago ou até de volta para Portugal.
Como precisávamos de abastecimento ligeiro, paramos à porta do Lidl. Mas como ainda faltavam 15 minutos para abertura, e não queríamos estar parados a apanhar frio, decidimos continuar.
E um pouco mais adiante, deu-se um dos acontecimentos mais marcantes para todos nós, nesta viagem. Em que sentimos mesmo estar sob protecção divina!
O caminho a partir de Tui, coincide muitas vezes com a N-550, uma estrada muito movimentada. Tanto assim é, que em todas as entradas do caminho para esta estrada, existe uma aviso "cuidado, tramo comum com N-550".
Num destes "tramos comuns", estávamos a circular no sentido do transito, mas fora da faixa de rodagem, quando decidimos mudar para a berma contrária (circular contra o transito). Poucos segundo após termos mudado, um Audi branco (com 4 jovens masculinos) que seguia no mesmo sentido que nós, descontrolado, sai fora da estrada e "varre" a berma e o talude durante uns bons metros, ficando no estado que as fotos demonstram.
O rapaz que se vê em cima do carro era o condutor, e pelo pulos que dava devia ser o dono do carro.
A alteração dele era tanta que o vidro traseiro da viatura , que não partiu no acidente, ele partiu-o com um murro!
Um dos ocupantes, pegou no telemóvel, e desatou a correr pela estrada adiante, o mais atingido, tinha qualquer objecto espetado na barriga.
Tudo isto perante o nosso olhar incrédulo. Quer dizer...um fez de conta que não se passou nada! - "Acidente? Onde?"
Se não tivéssemos mudado para o lado contrario, quase de certeza que teríamos "levado" com o carro (reparem na terra que ele arrastou para a estrada). Isto deu-se numa recta, numa estrada com boa visibilidade. Adormecimento, distracção, ou reflexos da "movida"? Não sabemos nem ficamos para saber, seguimos viagem, e só um pouco mais à frente nos "apercebemos" da sorte com que fomos abençoados.
Continuando o nosso caminho, paramos em Mós para o pequeno abastecimento que não tínhamos efectuado em Porrinho.
A senhora do café que nos atendeu, era também responsável pelo albergue (que fica em frente) de Mós. Lamentava-se ela que nessa noite, nem um único peregrino tinha dormido no albergue.
Abastecimento efectuado, seguimos em direcção a Redondela.
Passamos em frente ao albergue e fomos colocar mais um carimbo num café em frente (uma vez que o albergue estava fechado).
Verificação de equipamento e bikes.
O céu começava a ficar muito pouco do nosso agrado(e não era por causa dos aviões)!
Descemos depois (de a subir também) a Lomba em direcção a Arcade.
Paramos num dos sítios obrigatórios do caminho, com vista para a enseada de San Simón.
Depois passamos por um casal de peregrinos da Venezuela, na descida em socalco para Arcade.
Paramos na Guarda Civil para obter um carimbo militar.
Subindo as estreitas ruas de Pontesampaio
A seguir deparamo-nos com aquilo a que chamamos "Labrujinha", mas que na realidade de chama Alto da Canicouva.
Não tinha tanta inclinação como a Labruja, mas custou, e o piso em calçada romana também não ajudou.
Quando a subida em calçada acabou, ainda sobrou alcatrão, e como já estávamos na reserva (já passava da hora do almoço), poupamos as energias sem forçar os motores!
Estávamos cada vez mais perto do destino tão desejado.
Um pouco mais à frente, a capela da Santa Marta.
Esta capela tem o famoso carimbo self-service (está pousado num banco), em que são os peregrinos que carimbam as credenciais .
Ao sairmos da capela, sentimos os primeiros pingos de chuva.
Pingos que rapidamente engrossaram, mas o caminho chamava-nos.
Ainda paramos numa pequena paragem de autocarro, para acertar agulhas sobre onde almoçar. Ficou decidido que quem fosse à frente, mal visse um restaurante ou algo similar (que tivesse sitio abrigado para colocar as bikes) , ficaríamos ai mesmo.
Mal entramos em Pontevedra e passamos debaixo da linha do comboio, vimos ao lado esquerdo o restaurante bar El peregrino. Paramos ai mesmo. Estávamos esfomeados (eu também estava enregelado).
O restaurante estava vazio, pensamos que seria devido ao adiantado da hora (15:00), o empregado mal viu as bikes, torceu logo o nariz. Perguntamos onde as poderíamos colocar, e "lá dentro estava fora de questão" . Ficaram por isso encostadas à janela, do lado de fora é claro, numa pequena faixa onde pouca chuva caia.
Ficamos a saber que o empregado era 'tuga' (desdentado) de Lisboa, ex-picheleiro, que à falta de trabalho na capital, tinha vindo à procura de trabalho para a Galiza. O dono era um velhote que foi para a cozinha.
Também tinham menu peregrino, mas a única coisa que havia para comer era um bocado de agua com massa (a que chamaram sopa), e uns bifinhos de frango com batata frita. Pedimos vinho maduro tinto, que "está fora do menu peregrino", e o empregado traz-nos uma garrafa gelada (serve para disfarçar o sabor) de um maduro martelado. Na garrafa seguinte, pedimos explicitamente vinho natural, e o homem teve que descer a um qualquer anexo para trazer a garrafa, que ao natural ainda sabia pior!
No único sitio em Espanha que fomos mal atendidos, tinha que ser por um empregado tuga!
Deixo aqui uma foto do restaurante, tirada do google, para que ninguém volte a ser enganado por este estabelecimento.
Conferenciamos sobre as opções para o caminho (lá fora continuava a chover bastante) e depois de uma consulta às previsões meteorológicas, ficamos a saber que a chuva só pararia por volta das 22 horas, e no dia seguinte não se previa chuva. Ficou decidido entrarmos no albergue (que ficava mesmo em frente) de imediato, tomarmos um banho quente para aquecer, e depois descansar o máximo possível, para sairmos às 2/3 da manha para fazer os 66 kms que faltavam até Santiago.
O albergue de Pontevedra foi o melhor que encontramos, chão radiante (quentinho) na área social e nas camaratas, que para os nossos pés molhados foi um conforto. Desde maquina de lavar e secar roupa até maquina bebidas, micro-ondas, etc.
Depois de fazer o check-in, fomos rapidamente para um duche quentinho (que eu pessoalmente necessitava urgentemente, porque estava a morrer de frio), e tratamos de nos acomodar e descansar. Todos excepto o roda 28, que como o mais bem preparado para a chuva (e beneficiando do facto de a bike ter guarda lamas) se prontificou a ir buscar mantimentos para o jantar e pequeno almoço.
Enquanto o roda 28 foi às compras, os que ficaram trataram de secar a roupa e calçado dentro do possível (não se pode colocar o calçado dentro da maquina de secar!!).
Aproveitamos também o próprio aquecimento do chão para dar uma ajuda.
O problema foi que, com a lotação esgotada da camarata onde estávamos, esta começou a ficar tão quente, que por volta das 18:00 desligaram o aquecimento da camarata. Já não conseguiríamos secar mais o calçado.
Entretanto o roda 28 chegou, tinha ido ao Froiz. Começamos a lanchar-jantar, e depressa percebemos que o pão que tínhamos não daria para fazer as sandes do pequeno almoço.
Também nenhum de nós tinha pilhas AAA, que gastava a minha lanterna (não sabíamos se as que estavam aguentariam as 6 horas que íamos fazer de madrugada), e precisávamos de sacos plásticos (fruta) para colocar nos pés, devido aos sapatos não terem secado. Então o roda 28 voltou ao froiz . Quando lá chegou lembrou-se de perguntar se carimbavam as credenciais, como lhe disseram que sim, voltou ao albergue para as levar. Com esta "brincadeira" foi 3 vezes ao Froiz.
Na 1ª vez que foi às compras, um dos pedidos tinha sido tampões para os ouvidos (Farmácia), uma brilhante ideia para combater os "motores" da camarata. Como vieram dois pares, embora eu não tivesse pedido, aproveitei a "sobra", e foi assim que consegui dormir mais ou menos em condições.
Quando a camarata ficou cheia (tínhamos: 1 Norueguês; 1 Americana, Espanhóis, e um grupo de portugueses de Famalicão), devido se calhar ao pessoal vir todo encharcado e com pressa de tomar banho (roupas espalhadas pelo chão), ou segundo outra teoria nossa, pessoal que nunca fez tropa, o certo é que a camarata ficou com este aspecto.
Uma vez que dois de nós estávamos de tampões nos ouvidos, o "engenheiro" ficou incumbido de fazer o "despertar" às 2:30, para sairmos às 3:00.
Uma longa madrugada nos esperava.
P.S. - Permitam-me só uma pequena explicação em relação ao termos hesitado perante a chuva, até como alerta para quem tiver que passar pelo mesmo.
Já contávamos apanhar chuva no caminho (as previsões apontavam para isso), preparamos bem os equipamentos (mochilas, alforges e sacos-cama) para que tudo o que levávamos lá dentro não fosse afectado. E tudo chegou seco, ao contrario de muitos que vimos chegar ao albergue com tudo o que traziam dentro dos sacos encharcado!
Também temos alguma experiência de rolar com chuva, quer seja em maratonas de BTT, como em provas de estrada. Mas uma coisa são estes eventos em que nos molhamos e a seguir se toma banho e muda de roupa (sem grandes paragens), e outra estarmos molhados com esta temperatura e pararmos para uma refeição e depois querer continuar.
Além de que as bicicletas, tirando o roda 28, não tinham qualquer protecção nas rodas, o que quer dizer que o andamento em estrada (quanto mais depressa se pedalava mais agua levávamos!) que fizemos ao chegar a Pontevedra projectou uma quantidade considerável de agua para a parte inferior do condutor.
Tudo isto, com a temperatura que estava, tornou as coisas bem mais difíceis.