As minhas últimas saídas de BTT tinham infelizmente sido azaradas. Algumas falhas mecânicas associadas a umas quedas mais ou menos violentas deixavam-me um pouco apreensivo para a próxima volta. Qual seria o problema que me ia atacar desta vez? Felizmente este é o relato de uma volta quase perfeita que nos trouxe um excelente e solarengo dia de BTT, sempre por trilhos cativantes e de grande beleza.
A área a ser atacada era novidade completa para os três intervenientes nesta história; Indy, Tico e eu. A saída foi feita de Ribeira de Pena, plantada às portas da zona barrosã, uns 25 km a Norte de Vila Real.
O percurso foi autoria de Indy, produzido ao longo de vários dias chuvosos com recurso a cartas militares e imagens de satélite. Face à natureza de experimental do percurso, as expectativas de perfeição não eram elevadas. Todos iam conscientes que algumas zonas iriam requerer desvios e um pouco de navegação criativa para ultrapassar obstáculos geográficos. O percurso prometia um pouco menos de 70 km e um acumulado estimado a rondar os 2000 metros. A qualidade do piso era uma grande incógnita, sempre difícil de estimar num percurso criado sem experiência in-loco.
Em termos de equipamento, deixamos as nossas fieis singlespeeds em casa e optamos pelas suas companheiras de mudanças, escolha destinada a simplificar um pouco a tarefa em mãos.
A saída de Ribeira de Pena fez-se pouco depois das 9 horas. Tomamos um rumo descendente e para norte , em direcção àquela que seria a primeira travessia de um rio da viagem.
Esta fase inicial de descida foi bem agradável, uma série de caminhos rurais tecidos entre quintas e campos na encosta do Tâmega. De facto, o caminho era tão interessante visualmente e tecnicamente que o próprio autor do percurso encontrava-se maravilhado com a sua obra. Ainda mais surpreendente é o facto deste também não ter qualquer memória clara do acto da escolha destes trilhos.
Alheios a amnésias, continuamos a descida até ao primeiro local notável do dia. Estendendo-se à nossa frente e pendendo sobre o rio Tâmega encontramos a chamada ponte de Arame. Uma bela obra, datada de 1913 e segundo reza o povo idealizada por um padre local que se viu sem maneira de comprar o bacalhau para a consoada na margem oposta.
Atravessada a ponte, iniciou-se em Santo Aleixo de Além-Tâmega a primeira subida do dia. Embora a primeira parte, pelo meio da zona habitada fosse dura, o resto da subida foi bastante agradável, com muitas zonas de sombra, vegetação interessante e declives suaves.
A uns 520 metros de altitude invertemos o sentido de deslocação vertical e iniciamos uma descida rápida por estradão de piso perfeito. A velocidade alta fez-nos falhar por uma centena de metros um singletrack encoberto por vegetação. Detectado o erro, tomamos então esse curioso trilho que nos levou ao segundo ponto marcante do dia.
À nossa frente, sobre uma escarpa de 20 metros estendia-se uma outra velha ponte suspensa, construída de madeira e ferro enferrujado. A ponte encontrava-se pejada de buracos, madeira fendida e cabos desfiados. Oscilava e rangia à passagem de cada bicicleta, enquanto lá em baixo o rio Beça rugia sobre o seu leito pedregoso.
Já do lado cá todos se questionavam como tínhamos tido coragem para atravessar tal gerigonça estrutural. Ainda bem que só fizemos a inspecção mais cuidada da construção depois de feita a travessia. Caso contrário teríamos ficado paralisados do lado de lá.
Como sempre se verifica nestes passeios, a cada ponte segue-se uma subida complicada. Esta não foi excepção, com uma parte inicial dura quanto baste, atravessando algumas rampas de terra solta pelo seio de algumas densas florestas de pinheiros. E foi a meio dessa subida que fomos contemplados com uma idílica paisagem de alta montanha, ao mais puro estilo português. Era uma pequena quinta, a vários quilómetros de qualquer outro núcleo habitacional, que se estendia num pequeno planalto verdejante.
Na subida seguinte encontramos um equipa de madeireiros e sapadores efectuando algum trabalho de limpeza florestal. Uma vez que já passava do meio dia, alguns deles estavam ocupados a assar alguns nacos de carne. Convidaram-nos para os acompanhar. Uma proposta tentadora...
Após atingir uns 630 metros, rumamos em direcção ao rio Covas para uma nova travessia. Vacas pastavam calmamente nos prados que acompanhavam o estradão. Inexplicavelmente, algumas dessas vacas mostraram-se bastante interessadas no Indy.
A travessia do rio Covas fez-se uns curtos metros mais à frente, sobre uma larga ponte de arco em pedra. A solidez da ponte fez-nos constatar que estávamos finalmente a melhorar a qualidade das nossas travessias sobre rios!
Mais uma subida e começamos a entrar numa zona mais habitada, com várias vacarias e campos agrícolas. Estávamos nos arredores de Covas do Barroso. Começamos o tour da aldeia com uma paragem na igreja local. A igreja e os edifícios que a rodeiam são o perfeito exemplo da arquitectura da zona barrosã, de pedra forte e antiga.
Mais à frente encontramos um café para restabelecer as forças. A oferta era pouca. As garrafas de água só chegariam mais tarde nesse dia e não havia muito para comer porque "as pessoas não costumam pedir". Mesmo assim fomos bem atendidos e lá conseguimos recuperar as energias com um misto de refrigerantes, batatas e outros snacks.
A ligeireza da refeição foi no entanto fundamental para ultrapassar o que se seguia. À saída da aldeia fomos avisados que o percurso por nós escolhido era "ruim". Não diria tanto, talvez o descreva como exigente. Estendia-se à nossa frente então uma contorcida subida em calçada, tornada escorregadia e lamacenta por água que escorria do topo da montanha.
Fizemo-la em solavancos, lutando contra os pedais até que ao momento em que o equilíbrio fosse impossível de manter. O Sol do inicio da tarde batia forte e fazia, pela primeira vez este ano, o suor escorrer em gotas pela testa abaixo
Seguiu-se um estradão longo e fácil. À direita desse estradão surgia imponente o ponto final desta subida, o pico do Lasanho.
O trilho até lá cima tinha bom piso mas era muito directo, resultando em distâncias curtas com pendentes muito elevadas. O meu gps indicava várias partes acima de 20% de inclinação. Na ventosa zona final uma bela sequência de curvas entregou-nos no pico.
Do topo do marco geodésico várias serras são visíveis. Olhando para Norte, surgem algumas das fragas do Gerês, dois picos gémeos junto a Alturas do Barroso. A Sul surgem os picos do Alvão e Marão.
A descida fez-se inicialmente por uns estradões mais ou menos bem conservados. A meio da descida o track GPS envia-nos para um singletrack com uma calçada rochosa recoberta por folhas secas, torcendo-se encosta abaixo com grande declive. Uma perfeita zona técnica para combater a tendência mais rolante do percurso. Eu e o Indy descíamos mais cuidadosamente enquanto o Tico se divertia a despachar a boa velocidade todas as curvas do percurso.
Terminada a brincadeira, tivemos que voltar ao trabalho duro. Penosamente lidamos com uns longos quilómetros de asfalto, necessários para fazer a transição do vale do Beça para o vale do Tâmega. A ascensão de asfalto não foi suficiente para nos colocar sobre a crista da montanha e tivemos que completar a escalada com uma dura secção de terra batida.
Era então tempo de rumar até à cota do rio Tâmega. Novamente recorrendo a uma caminho quase abandonado e cheio de obstáculos fomos descendo a boa velocidade. A vista era fantástica e o percurso bem interessante. Dezenas de árvores derrubadas bloqueavam o caminho e obrigavam a um constante ziguezaguear perto da encosta para manter a velocidade. Outra vezes o tronco era tão grande que se tornava necessário levar a bicicleta ás costas.
Os estradões, de melhor ou menor qualidade foram-se seguindo, apresentando dezenas de curvas alternadas. O cansaço começa a fazer-se sentir enquanto fazíamos uma ou outra subida para atravessar as aldeias que surgiam pelo caminho. A tendência do percurso era no entanto fortemente descendente e como tal as dificuldade eram reduzidas.
Uns pequenos problemas com ambiguidades nas cartas militares forçaram-nos a entrar num trilho sem saída, mas o problema foi rapidamente detectado e corrigido com uns minutos a empurrar as bicicletas.
Com mais uns minutos de descida rápida por entre uma densa zona florestal estávamos finalmente na margem do rio Tâmega. A travessia foi feita em Balteiro, por mais uma antiga e pitoresca ponte.
Restava agora a subida final de 250 metros verticais até ao centro de Ribeira de Pena. Embora tivesse sido feita quase toda por asfalto, foi extremamente dura. A pressa de chegar lá cima fez o Tico impôr um ritmo pesado que nos obrigou a fazer um esforço extra para acompanhar. O Indy, claramente desgastado e desaprovando tal atitude colocou-se na frente do grupo e pediu clemência. Ninguém acedeu...
Com mais uns 5 minutos de esforço de subida estavamos no final.
Foi uma volta dura, mas excepcional em paisagens e trilhos. Que bela maneira de encerrar a minha sequência de azares.
Dados:
Distância: 75.34 km
Acumulado: 2241 m
Altimetria:
A área a ser atacada era novidade completa para os três intervenientes nesta história; Indy, Tico e eu. A saída foi feita de Ribeira de Pena, plantada às portas da zona barrosã, uns 25 km a Norte de Vila Real.
O percurso foi autoria de Indy, produzido ao longo de vários dias chuvosos com recurso a cartas militares e imagens de satélite. Face à natureza de experimental do percurso, as expectativas de perfeição não eram elevadas. Todos iam conscientes que algumas zonas iriam requerer desvios e um pouco de navegação criativa para ultrapassar obstáculos geográficos. O percurso prometia um pouco menos de 70 km e um acumulado estimado a rondar os 2000 metros. A qualidade do piso era uma grande incógnita, sempre difícil de estimar num percurso criado sem experiência in-loco.
Em termos de equipamento, deixamos as nossas fieis singlespeeds em casa e optamos pelas suas companheiras de mudanças, escolha destinada a simplificar um pouco a tarefa em mãos.
A saída de Ribeira de Pena fez-se pouco depois das 9 horas. Tomamos um rumo descendente e para norte , em direcção àquela que seria a primeira travessia de um rio da viagem.
Esta fase inicial de descida foi bem agradável, uma série de caminhos rurais tecidos entre quintas e campos na encosta do Tâmega. De facto, o caminho era tão interessante visualmente e tecnicamente que o próprio autor do percurso encontrava-se maravilhado com a sua obra. Ainda mais surpreendente é o facto deste também não ter qualquer memória clara do acto da escolha destes trilhos.
Alheios a amnésias, continuamos a descida até ao primeiro local notável do dia. Estendendo-se à nossa frente e pendendo sobre o rio Tâmega encontramos a chamada ponte de Arame. Uma bela obra, datada de 1913 e segundo reza o povo idealizada por um padre local que se viu sem maneira de comprar o bacalhau para a consoada na margem oposta.
Atravessada a ponte, iniciou-se em Santo Aleixo de Além-Tâmega a primeira subida do dia. Embora a primeira parte, pelo meio da zona habitada fosse dura, o resto da subida foi bastante agradável, com muitas zonas de sombra, vegetação interessante e declives suaves.
A uns 520 metros de altitude invertemos o sentido de deslocação vertical e iniciamos uma descida rápida por estradão de piso perfeito. A velocidade alta fez-nos falhar por uma centena de metros um singletrack encoberto por vegetação. Detectado o erro, tomamos então esse curioso trilho que nos levou ao segundo ponto marcante do dia.
À nossa frente, sobre uma escarpa de 20 metros estendia-se uma outra velha ponte suspensa, construída de madeira e ferro enferrujado. A ponte encontrava-se pejada de buracos, madeira fendida e cabos desfiados. Oscilava e rangia à passagem de cada bicicleta, enquanto lá em baixo o rio Beça rugia sobre o seu leito pedregoso.
Já do lado cá todos se questionavam como tínhamos tido coragem para atravessar tal gerigonça estrutural. Ainda bem que só fizemos a inspecção mais cuidada da construção depois de feita a travessia. Caso contrário teríamos ficado paralisados do lado de lá.
Como sempre se verifica nestes passeios, a cada ponte segue-se uma subida complicada. Esta não foi excepção, com uma parte inicial dura quanto baste, atravessando algumas rampas de terra solta pelo seio de algumas densas florestas de pinheiros. E foi a meio dessa subida que fomos contemplados com uma idílica paisagem de alta montanha, ao mais puro estilo português. Era uma pequena quinta, a vários quilómetros de qualquer outro núcleo habitacional, que se estendia num pequeno planalto verdejante.
Na subida seguinte encontramos um equipa de madeireiros e sapadores efectuando algum trabalho de limpeza florestal. Uma vez que já passava do meio dia, alguns deles estavam ocupados a assar alguns nacos de carne. Convidaram-nos para os acompanhar. Uma proposta tentadora...
Após atingir uns 630 metros, rumamos em direcção ao rio Covas para uma nova travessia. Vacas pastavam calmamente nos prados que acompanhavam o estradão. Inexplicavelmente, algumas dessas vacas mostraram-se bastante interessadas no Indy.
A travessia do rio Covas fez-se uns curtos metros mais à frente, sobre uma larga ponte de arco em pedra. A solidez da ponte fez-nos constatar que estávamos finalmente a melhorar a qualidade das nossas travessias sobre rios!
Mais uma subida e começamos a entrar numa zona mais habitada, com várias vacarias e campos agrícolas. Estávamos nos arredores de Covas do Barroso. Começamos o tour da aldeia com uma paragem na igreja local. A igreja e os edifícios que a rodeiam são o perfeito exemplo da arquitectura da zona barrosã, de pedra forte e antiga.
Mais à frente encontramos um café para restabelecer as forças. A oferta era pouca. As garrafas de água só chegariam mais tarde nesse dia e não havia muito para comer porque "as pessoas não costumam pedir". Mesmo assim fomos bem atendidos e lá conseguimos recuperar as energias com um misto de refrigerantes, batatas e outros snacks.
A ligeireza da refeição foi no entanto fundamental para ultrapassar o que se seguia. À saída da aldeia fomos avisados que o percurso por nós escolhido era "ruim". Não diria tanto, talvez o descreva como exigente. Estendia-se à nossa frente então uma contorcida subida em calçada, tornada escorregadia e lamacenta por água que escorria do topo da montanha.
Fizemo-la em solavancos, lutando contra os pedais até que ao momento em que o equilíbrio fosse impossível de manter. O Sol do inicio da tarde batia forte e fazia, pela primeira vez este ano, o suor escorrer em gotas pela testa abaixo
Seguiu-se um estradão longo e fácil. À direita desse estradão surgia imponente o ponto final desta subida, o pico do Lasanho.
O trilho até lá cima tinha bom piso mas era muito directo, resultando em distâncias curtas com pendentes muito elevadas. O meu gps indicava várias partes acima de 20% de inclinação. Na ventosa zona final uma bela sequência de curvas entregou-nos no pico.
Do topo do marco geodésico várias serras são visíveis. Olhando para Norte, surgem algumas das fragas do Gerês, dois picos gémeos junto a Alturas do Barroso. A Sul surgem os picos do Alvão e Marão.
A descida fez-se inicialmente por uns estradões mais ou menos bem conservados. A meio da descida o track GPS envia-nos para um singletrack com uma calçada rochosa recoberta por folhas secas, torcendo-se encosta abaixo com grande declive. Uma perfeita zona técnica para combater a tendência mais rolante do percurso. Eu e o Indy descíamos mais cuidadosamente enquanto o Tico se divertia a despachar a boa velocidade todas as curvas do percurso.
Terminada a brincadeira, tivemos que voltar ao trabalho duro. Penosamente lidamos com uns longos quilómetros de asfalto, necessários para fazer a transição do vale do Beça para o vale do Tâmega. A ascensão de asfalto não foi suficiente para nos colocar sobre a crista da montanha e tivemos que completar a escalada com uma dura secção de terra batida.
Era então tempo de rumar até à cota do rio Tâmega. Novamente recorrendo a uma caminho quase abandonado e cheio de obstáculos fomos descendo a boa velocidade. A vista era fantástica e o percurso bem interessante. Dezenas de árvores derrubadas bloqueavam o caminho e obrigavam a um constante ziguezaguear perto da encosta para manter a velocidade. Outra vezes o tronco era tão grande que se tornava necessário levar a bicicleta ás costas.
Os estradões, de melhor ou menor qualidade foram-se seguindo, apresentando dezenas de curvas alternadas. O cansaço começa a fazer-se sentir enquanto fazíamos uma ou outra subida para atravessar as aldeias que surgiam pelo caminho. A tendência do percurso era no entanto fortemente descendente e como tal as dificuldade eram reduzidas.
Uns pequenos problemas com ambiguidades nas cartas militares forçaram-nos a entrar num trilho sem saída, mas o problema foi rapidamente detectado e corrigido com uns minutos a empurrar as bicicletas.
Com mais uns minutos de descida rápida por entre uma densa zona florestal estávamos finalmente na margem do rio Tâmega. A travessia foi feita em Balteiro, por mais uma antiga e pitoresca ponte.
Restava agora a subida final de 250 metros verticais até ao centro de Ribeira de Pena. Embora tivesse sido feita quase toda por asfalto, foi extremamente dura. A pressa de chegar lá cima fez o Tico impôr um ritmo pesado que nos obrigou a fazer um esforço extra para acompanhar. O Indy, claramente desgastado e desaprovando tal atitude colocou-se na frente do grupo e pediu clemência. Ninguém acedeu...
Com mais uns 5 minutos de esforço de subida estavamos no final.
Foi uma volta dura, mas excepcional em paisagens e trilhos. Que bela maneira de encerrar a minha sequência de azares.
Dados:
Distância: 75.34 km
Acumulado: 2241 m
Altimetria: