[Foto-Report] Caminho de Santiago-Finisterra-Muxia

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fuel100

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Introdução
Caminho de Santiago - Finisterra – Muxia
Este relato reporta-se ao caminho percorrido em Setembro de 2008.
Apesar de já possuir alguns meses, aproveito esta época de defeso para iniciar este tópico, sabendo que poderá ajudar o pessoal que nesta altura já poderá estar a fazer planos para o resto do ano e porque não é um caminho muito documentado por aqui.
Como eu e o Joaquim já tínhamos feito o Caminho Português a partir de Barcelos em 2007 e o caminho francês a partir de S.Jean P.de P., este, já no longínquo ano de 2001, resolvemos desta vez não chegar a Santiago mas partir de lá.
Inicialmente tínhamos previsto um total de 4 dias incluindo a logística de ligação desde Coimbra e regresso a ser efectuada por comboio como tinha acontecido no ano anterior, contudo, considerando que partíamos de Santiago, resolvemos levar o carro até lá para não estarmos condicionados pelos horários dos comboios e os tempos de espera das várias ligações, tal como tinha acontecido no ano anterior. A aventura duraria assim um máximo de 3 dias muito mais preenchidos.
Estávamos nos preparativos finais quando surgiu um terceiro voluntário, o António que não conhecíamos (na verdade era marido de uma colega de um de nós) e apesar de não ter tanta experiência de btt como nós, também já tinha feito no ano anterior o caminho francês, o que á partida nos deixava mais descansados.


O percurso Santiago de Compostela- Finisterra - Muxia

A equipa era muito equilibrada e os nossos interesses e formação académica, complementavam-se harmoniosamente: Eu sou arquitecto, 48 anos, o Joaquim é escultor e arquitecto, 43 anos e o António, 45 anos é formado em História.
Para os Caminhos, considerando os nossos objectivos, que não passavam só por pedalar, éramos, uns para os outros, a companhia ideal.
Equipamento :
O Joaquim : Cannondale Super V equipada com Lx/ Xt rodas Mavic 221, suspensão superfatty 80mm (13,00Kg)
O António : Uma Team (literalmente) do Continente equipada com Shimano de baixa gama e com um peso superior a 14 kg sem alforges.
Eu (Aguiar) : Orbea Lanza equipada com XT/XTR , rodas Bontrager race light suspensão R.S. Judy SL 100mm (10,80Kg sem alforges).


O grupo (Da esquerda para a direita : Joaquim, Aguiar, António.

Um pouco de história
O caminho de fisterra, com extensão para Muxia, é, ao contrário dos restantes, o único dos denominados caminhos de Santiago, que não se dirige para esta cidade, mas parte de Santiago em direcção à costa e pode dizer-se que é a continuação natural de todos os outros caminhos que chegam ali e é tradicionalmente realizado pelos peregrinos que, chegados a Santiago, desejam conhecer o mar e ver o “Fim do Mundo”, ou o “Fim da Terra”, ou também como é chamada “A Costa da Morte”.
A ideia da peregrinação pelas terras mais ocidentais da Europa, já estava presente nas crenças dos povos Celtas, e quando nos princípios do século IX, se descobriu o sepulcro do Apostolo Santiago, a Igreja católica deu um sentido cristão a estas velhas ideias de peregrinação, orientando para Compostela cidade que se converteu num grande foco de atracção durante toda a Idade Média. Foi por volta do século XII que começaram a chegar a Finisterra e Muxía os primeiros peregrinos cristãos,
Actualmente, as rotas de toda a Europa que terminam em Santiago de Compostela, são Património da Humanidade.
Há quem opte por terminar o caminho na Catedral de Santiago, mas há também quem tenha a cidade como ponto de partida para Finisterra, uma peregrinação que dura, em média três dias.
Esta foi portanto a nossa opção.


A Compostela concedida a quem chega a Santiago e perfaz um mínimo de 100Km a pé, 200Km de bicicleta e a cavalo (de carro não vale).


O livrete dos carimbos que atesta o percurso efectuado e concede o direito de pernoitar nos albergues e o direito à Compostela para quem chega a Santiago.

[Continua]
 
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fuel100

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Re: [foto-crónica] Caminho de Santiago-Finisterra-Muxia


1º DIA – SANTIAGO – NEGREIRA 30 KM


À chegada a Santiago estacionamos os carros num local previamente escolhido (no Google Earth). Uma zona residencial de construção recente, à saída para Portugal, relativamente perto da catedral e com muito estacionamento e outros espaços públicos amplos para podermos montar as bikes, alforges e outro equipamento sem nos preocupar muito com o trânsito nem com os nossos automóveis que ficariam aí estacionados durante alguns dias.
Depois de um bom almoço, lá partimos em direcção à praça de Obradoiro para recolher as credências para os albergues e começar o caminho a partir daí.
No entanto, no secretariado onde passam as Compostelas ao peregrinos que chegam, foi-nos informado que as credenciais obtinham-se na localidade de Negreira onde fica situado o primeiro albergue a uma distância de cerca de 25 Km.
Partimos então já um pouco tarde (por volta das 16,30h) relativamente ao que tínhamos planeado, mas a tempo de pernoitar no primeiro albergue, em Negreira.
A saída faz-se a partir de um dos cantos da Praça junto ao Hospital dos Reis Católicos na direcção Poente e atravessa primeiramente umas ruas bem tratadas com edificações de arquitectura característica que se vai diluindo até nos embrenharmos numa zona mais rural sempre a descer até chegarmos a um rio e onde a partir dali começamos uma breve ascensão, suficiente no entanto para podermos desfrutar de uma bela vista para a cidade onde se destaca naturalmente a catedral e as suas torres, que nos acompanha (pelas costas ) durante alguns instantes.


…a catedral e as suas torres, que nos acompanha (pelas costas ) durante alguns instantes.


Embrenhamo-nos a seguir por um bosque frondoso com um sobe e desce constante em trilhos espectaculares para a prática do btt mas bastante maltratados pelo temporal que se tinha abatido no dia anterior que, a avaliar pelas constantes paragens para ultrapassar alguns obstáculos / árvores derrubadas, deverá ter sido algo violento.






Depois de alguns quilómetros nestas paragens constantes e que nos levou a pensar em abandonar por momentos o caminho, lá saímos do bosque para uma estrada pavimentada que anunciava a proximidade da localidade seguinte (Trasmonte), onde existe uma pequena ponte de arquitectura aparentemente românica mas que, apesar do bom estado de conservação, já não faz parte do caminho porque se dirige para terrenos privados.


À saída desta terreola, iniciamos a primeira grande subida do dia, sendo de louvar o cuidado que este município trata este troço do caminho onde não faltam os bancos para os peregrinos a pé descansarem e alinhamentos de árvores recentemente plantadas.

Depois de penarmos alguns minutos
surgiu o tão merecido descanso através de uma descida em alcatrão que nos levava a um dos pontos mais marcantes de todo o caminho :- a ponte românica de Maceira sobre o rio Tambre e o açude próximo, um conjunto de grande imponência e valor paisagístico, onde demoramos alguns minutos a escolher os melhores enquadramentos para as fotos. Não fosse a hora tardia e a ameaça de chuva e tínhamos dado um belo mergulho, como manda a tradição, mas paciência.
















À saída, passamos por outro bosque muito bonito que ladeava o rio e que nos fez lembrar o nosso Choupal, que, para quem não sabe, é um bosque frondoso que existe em Coimbra nas margens do Mondego com trilhos que serpenteiam por entre as árvores que fazem as delicias de quem gosta do btt e não só.






Desde que partimos de Santiago que tínhamos progredido sem grandes sobressaltos e estávamos prestes a chegar ao nosso albergue onde, pensávamos nós, íamos pernoitar.
O albergue situa-se à saída da localidade que é o núcleo urbano de maior dimensão neste caminho .
No entanto, quando lá chegamos, informaram-nos que estava completo e que o responsável já lá não estava para nos fornecer a necessária credencial. Assim, desde que tínhamos saído de Santiago ainda não tínhamos recolhido nenhum carimbo.
Saímos à procura de um qualquer albergue privado na periferia, mas depois de alguns quilómetros informaram-nos que não existia nenhum nas redondezas pelo que regressamos a Negreira já ao cair da noite e lá demos com um hotel que fazia preços especiais para peregrinos e onde ficamos.

[Continua]
 
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fuel100

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2º dia Total : 100,65km
1ª parte – Negreira - Oliveiroa


No dia seguinte e depois do pequeno almoço no hotel, partimos por volta das 8 horas (galegas). Ainda era de noite.
Tínhamos planeado para este dia uma etapa maratona de cerca de 115 Km que nos levaria a Fisterra e depois a Muxía ou vice versa. Num destes locais pensávamos pernoitar, contudo, ainda não tínhamos decidido qual.
Negreira situa-se num vale, pelo que fazia algum frio e o muito nevoeiro pouco deixava ver o caminho. Tivemos que vestir pela primeira vez os impermeáveis. Foi com este panorama meteorológico que saímos da localidade depois de passarmos sob o Arco do Pazo de Coton, uma antiga fortaleza medieval restaurada no século XVI e a ponte sobre o rio Barcala de onde começamos a primeira ascensão do dia ainda com muito frio e nevoeiro.







Á medida que subimos, atravessamos o nevoeiro até chegarmos a uma zona de planalto já com um azul do céu que nos deixava descansados para o resto da jornada e abria-nos perspectivas para um bom banho quando chegássemos á costa.
Em dias limpos a estas altitudes vislumbra-se todo o vale do Rio Xallas. Contudo, naquela manhã víamos aquele vale coberto de um espesso manto de nevoeiro que nos parecia um autêntico oceano onde aqui e ali se recortavam algumas ilhas de arvoredo nos pontos mais altos da paisagem. O efeito dos prados verdes do azul do céu e do branco é soberbo pelo que paramos para tirar algumas fotos.



















O caminho vai prosseguindo por entre trilhos em bosques e troços pavimentados na travessia de pequenos núcleos rurais de arquitectura ainda não descaracterizada.
Depois de alguns quilómetros em altiplano lá descemos outra vez e depois de entramos no alcatrão paramos num café á beira das estrada onde tomamos o segundo desayuno do dia, este bem mais substancial que o primeiro já que comemos um enorme bocadillo de queijo numa esplanada banhada pelo sol.





Prosseguimos agora já com uma temperatura mais agradável pelo que era hora de recolher o impermeável. A etapa seguinte era a pequena localidade rural de Oliveiroa onde existia o segundo albergue oficial do caminho.




Desde que tínhamos partido de Negreira que a paisagem era dominada por campos agricultados ou pastagens e onde se sucediam pequenos núcleos rurais com uma arquitectura popular ainda preservada da qual é de destacar o “Hórreo” que não é mais que o “nosso” espigueiro que abunda no Minho mas que aqui parece ser uma instituição obrigatória porque muitas das casas recentemente construídas também incorporam este elemento edificado com materiais mais modernos, mas mantendo o essencial da sua função (de conservação de produtos do campo) e da sua traça arquitectónica sem a descaracterizar.



Chegamos então a Oliveiroa e logo procuramos o albergue para recolher finalmente a tão ansiada credencial.


Oliveiroa é, como muitas outras, neste troço do caminho, um núcleo rural com as ruas e as casas muito cuidadas e preservadas num conjunto tipológico bastante representativo da arquitectura rural da região.






A área circundante ao albergue recebeu obras de requalificação e apresenta-se bastante interessante. O mais curioso deste conjunto é o facto de que alguns dos “horreos”/ espigueiros fazerem parte do albergue e constituírem quartos isolados para três pessoas. preparados com um colchão revestido a oleado e cobertores e com acesso por escadas de madeira.
Apesar do responsável pelo albergue não possuir as credenciais preenchemos uma folha estatística onde lá pôs o carimbo. De qualquer modo e por precaução tínhamos trazido a credencial do ano anterior e lá vendemos a historia que tínhamos vindo de Barcelos, passado por Santiago e continuado para Fisterra.
Já com as credenciais carimbadas, prosseguimos o nosso caminho.

[Continua]
 
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fuel100

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2ª parte da 2ª etapa – Oliveiroa- Finisterra



Depois de passarmos por um pequeno rio, lá começamos outra vez mais uma ascensão em direcção a mais um conjunto de eólicas nas margens do Rio Xallas.


A meio deste troço encontramos umas pedras verdes que revestiam o caminho e que nos pareciam entulho de vidraço de uma qualquer demolição. Pelo sim pelo não recolhemos alguns exemplares e prosseguimos o caminho.


Após uma pequena descida, deparamo-nos com uma ponte pedonal, de pedra, construída expressamente para apoio aos peregrinos. A vontade de tomar banho naquelas águas foi contrariada pela baixa temperatura da manhã e da lembrança dos muitos quilómetros que tínhamos que percorrer. As praias da Costa esperavam-nos e depois de algumas fotos lá prosseguimos agora a bordejar o “embalse” de Fervença.






Após uma pequena subida em alcatrão, passamos pela localidade de Hospital cujo topónimo evoca um hospital de tratamento de peregrinos, hoje desaparecido. Aqui alcançamos finalmente o ponto onde o caminho bifurca e pela primeira vez a vista do mar ainda que de forma fugaz.



Uma placa junto a uma rotunda indica-nos duas conchas em sentidos opostos.
Para a esquerda Finisterra e para a direita Muxía. Ambos as localidades distam cerca de 28 Km. Neste ponto o peregrino tem de decidir qual a direcção a tomar.
Pensamos que, se decidíssemos caminhar primeiro para Muxía e fazer a ligação a Finisterra, teríamos uma mais forte sensação de chegada, de cumprimento de um desígnio superior, de alcançarmos um local místico. Parecia portanto ser esta a decisão mais marcante.
Se optássemos por seguir primeiro para Fisterra chegaríamos à costa antes do almoço o que significava um belo banho nas praias protegidas pelos recortes da costa e um bom almoço á beira- mar.


Deixamos o misticismo a descansar á sombra do marco da bifurcação e partimos alegremente a caminho de fisterra e do belo banho.
O caminho prosseguia agora por trilhos rápidos e um pouco técnicos pelo que o António com uma montada menos preparada fica um pouco para trás. De tal forma que ao chegar a um cruzamento nas imediações da Igreja de Srª das Neves paramos á sua espera. Como não aparecia telefonámos e quando ele ia dizer onde estava acabou-se a bateria do T.M. Apesar de uma pequena aflição inicial decidimos continuar porque tínhamos a certeza que o iríamos encontrar já na costa para onde nos dirigíamos rapidamente.













O caminho prossegue agora em altiplano e com a perspectiva da costa recortada sempre pela frente numa paisagem deslumbrante onde, em cada inicio de descida mais pronunciada, o caminho parece mergulhar directamente no mar.


Numa curva do caminho avistamos finalmente, em último plano da paisagem o mágico cabo de Finisterra.







Ainda antes de descer avistavam-se os recortes da costa, quer para norte, quer para sul, numa paisagem que fazia lembrar paraísos longínquos.
Depois, foi descer vertiginosamente até á primeira localidade costeira do caminho. Tínhamos entrado finalmente na CÉE. E á entrada vimos uma bela TEAM. E como parece que por aqui ainda não há nenhum hiper do Srº Engenheiro Belmiro, só podia ser a do António que tinha parado no primeiro café para recarregar a bateria do T.M.

[Continua]
 

zecarlos_vsc

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Só uma palavra... fantabulástico!!!!!!!!!!!!
Mais algo para adicionar à agenda na secção "obrigatório fazer"...
No final vamos ter o track gps?
 
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fuel100

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[Continuação da 2ª parte da 2ª etapa – Oliveiroa- Finisterra]







Após alguns quilómetros separados, continuávamos agora os três por percursos ribeirinhos, contornando as várias baías até encontramos finalmente uma praiazinha á medida já na localidade de Corcubion. .




Foi hora de vestirmos as indumentárias adequadas e darmos um belo mergulho documentado convenientemente para a posteridade acompanhados por alguns barcos de pesca.
Foi breve o banho porque o almoço esperava e depois de um duchezinho para tirar o sal do corpo (a praiazinha estava equipada com uns chuveiros muito jeitosos), retomamos o percurso ribeirinho até darmos com um restaurante “á maneira” junto ao mar. Infelizmente era domingo e parece que nesse dia não serviam o belo peixinho fresco, pelo que acabamos por comer uma especialidade espanhola com um nome esquisito e com ingredientes esquisitos que aparentemente não é mais que grão com chouriço.


Barriguinha cheia equivale a subidinha penosa e foi o que aconteceu. O percurso deixava momentaneamente a costa e cortava caminho a subir por entre enormes muros em pedra em direcção a outra baía.






Descemos para a praia de Langosteira. Aqui foi outro ponto alto do caminho já que fizemos os três quilómetros que a praia possui junto á água e por vezes envoltos nas pequenas ondas que chegam a esta enseada protegida.
O efeito era espectacular e por isso mais uma sessão fotográfica.
















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[URL=http://imageshack.us]









O grande problema agora é que já não era cedo e ainda tínhamos que “ir marcar o ponto” ao incontornável cabo de Finisterra.








O caminho aqui prossegue através da estrada alcatroada e depois de passarmos pela localidade de Fisterra iniciamos a subida que nos levava ao Cabo e ao farol e com a subida de cota, com vistas cada vez mais deslumbrantes para a costa sul recortada pelas famosas Rias Galegas.




A meia subida deparamos com um curioso conjunto de estruturas de forma cúbica e de construção recente, implantadas na encosta e viradas directamente para o Oceano. Soubemos posteriormente tratar-se de um moderno cemitério/memorial aos pescadores que perderam a vida nesta Costa da Morte.


Chegados ao farol lá fomos ao carimbo. Informaram-nos no entanto que o documento que comprovava a nossa chegada só era passado no albergue localizado em Fisterra na costa.






Este local é, em tudo, idêntico ao nosso cabo da Roca. Muitos turistas do alcatrão, muitas barracas de souvenires e comes e bebes, muitas excursões, muita gente a tirar fotos de família em poses mais ou menos formais e até o diploma com um aspectos pomposo, que comprova que estivemos no local onde a terra acaba e o mar começa ou por outras palavras no ponto mais Ocidental da Europa transposto para o cabo português. Até o farol é quase igual. De salientar que no seu interior há uma pequena exposição permanente cuja visita não demora muito e possui uma curiosa documentação de fotográfica de outros tempos.







Depois das fotos da praxe, descemos a rampa em direcção a Fisterra onde, no albergue nos passaram a Fisterrana com o nosso nome.


A “Fisterrana” assinada pelo Alcaide local (Presidente do Axuntamiento /Câmara) comprova que o peregrino chegou ao fim do caminho jacobeo.

Já eram umas 6 da tarde e surgiu o dilema : Dá ainda para chegar a Muxía a 28 Km? Aqui põe estas paragens à mesma longitude de Portugal, anoitece por volta das 8 e meia da noite e pelas nossas contas devia dar. Ora 28 a dividir por 2,5 deve dar uma média à volta de 11 e picos. Arriscamos e pusemo-nos a caminho por estradas secundárias que era por onde o caminho nos indicava.

[Continua]
 
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fuel100

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3ª parte do 2º dia –Finisterra - Fonte Queiroso (Nimeia)

Aqui, o António com menor preparação, já acusava nas pernas os muitos quilómetros que tínhamos andado naquele dia e o desgaste fez com que ficasse cada vez mais para trás pelo que, num último reencontro decidimos que eu e o Joaquim iríamos á frente para chegar mais cedo e garantir os três lugares no albergue de Muxía. Já caía a noite e por precaução, apesar da iluminação que trazíamos, resolvemos deixar o caminho e seguir por estrada, para, pensávamos nós, sermos mais rápidos. Como o António era mais lento acabou por ficar com um precioso livrinho que descrevia minuciosamente o caminho com uma série de pontos de referência para que não chegasse a Muxia às tantas da madrugada.
O caminho tinha decorrido sem grandes percalços, para além daquele pequeno desencontro, sem consequências, antes de chegar á costa. No entanto, em breve tornar-se-ia evidente que este final de tarde iria valer mais pela aventura e imprevisto, do que propriamente pela riqueza das paisagens, motivo de interesse que tinha dominado as horas que antecederam .
Por conseguinte, esta crónica, vai deixar de, pontualmente ter a companhia das fotos tão atraentes que fizeram a delícia do pessoal, para se centrar no relato dos acontecimentos, que igualmente, fazem parte integrante da travessia. Por isso, pedimos um pouco de paciência e aguardem que as belas paisagens não tardarão.




Nesta oportunidade cabe esclarecer que o caminho desde Santiago até Finisterra (ou Fisterra conforme também se denomina o Cabo), está bem marcado com os famosos marcos com a vieira a apontar o sentido e os quilómetros que faltam percorrer tornando-se relativamente facil a progressão no terreno.
Contudo, a partir de Finisterra, não só os marcos são escassos, como também possuem uma informação inconclusiva, porque para além da concha estar virada para baixo (o caminho pode se feito nos dois sentidos (Hospital – Muxia-fisterra ou Hospital- Fisterra- Muxia), não possui qualquer informação sobre a quilometragem restante para um ou para outro objectivo.




Recortes da costa para norte de Fisterra antes de cair a noite.

Cada vez que avançávamos em direcção a Muxia, parecia que as placas indicavam que faltava percorrer mais quilómetros. O panorama estava, portanto, a tornar-se cada vez mais negro. Senão vejamos :
- Tínhamos deixado um companheiro para trás.
- Caía a noite.
- Tínhamos uma fome dos diabos.
- Estávamos longe de Muxía.
Perante esta realidade começou a pairar a ideia de dormirmos no primeiro alojamento que encontrássemos .



Já passava das 8 da noite e, praticamente, já não se via nada. Foi por esta ocasião que vimos, num cruzamento, uma placa de turismo rural a 1,50Km. Olhamos um para o outro mas prosseguimos por uma subida interminável onde, no fim havia um cruzamento com a indicação de Muxia a 16 Km.
Imperou então o bom senso e dando meia volta lá fomos ter à casa de turismo rural em Fonte Queiroso, Nimeia. Quando pensávamos que a aflição tinha acabado, estávamos enganados. A aventura apenas tinha começado. E o António... não sabíamos dele.. Por outro lado estávamos sem dinheiro e a proprietária não tinha ainda meios de aceitar cartões de crédito. E agora como é que é? Não tínhamos hipótese de ir dormir a mais nenhum lugar mas não podíamos ficar lá porque não tínhamos dinheiro. Ser ou não ser, eis a questão.






O turismo rural onde pernoitamos – Fonte Queiroso; Nimeia.

Telefonámos ao António. Tinha dinheiro para todos, que alívio, só que estava perdido no meio da noite e de sitio nenhum. Em conversa com a proprietária, que conhecia bem o caminho e a estrada para Muxia, reconheceu uma pequena referencia que ele lhe deu e já sabia onde ele estava. Curiosamente estava bem mais perto de Muxia que nós. Tinha seguido as referências e, ao contrário de nós, não se tinha perdido no alcatrão. Tinha seguido o Caminho e estava lá quase. Era o milagre do caminho a fazer das suas. O rapaz fraquinho com a bicicleta do continente deu-nos 8 Km de avanço, deixando-nos para trás.

Este dia ensinou-nos uma lição. O caminho de Santiago é como o caminho do burro. Parece que não, mas é sempre o percurso mais directo, mais fácil e mais curto, portanto, o mais lógico, por uma simples razão : É um caminho feito à escala do Homem e percorrido pelo Homem. A estrada é um caminho feito à escala da máquina e portanto impiedosa para quem utiliza veículos apenas movidos a paixão e a força de vontade.

Mas continuemos o relato.
E agora?
Um dos hóspedes ouviu a conversa e dispôs-se a tentar encontrar o nosso amigo. O Sr, de uns 50 e poucos anos, era ciclista e, como depois nos contou, já tinha feito o caminho várias vezes e solidarizou-se connosco. Lá partiu ao encontro do nosso amigo, juntamente com a estalajadeira que conhecia bem a região e sabia onde ele estava.
Quanto a nós, desmontamos os alforges, guardamos as biclas e fomos tomar um reconfortante banho sem que antes passássemos pela cozinha e vimos no forno um belo assado de peixe frequinho da região. Já nos crescia a água na boca.

Por fim lá apareceu o António no carro do hóspede. Naquele dia fizemos precisamente 100,65Km.
Começamos a contar os tostões e chegamos à conclusão que tínhamos dinheiro para as refeições e para uma cama de casal e uma cama individual. A cama de casal era muito pequena pelo que surgiu outro dilema; quem vai dormir com quem e quem se escapa na cama individual. Tirámos à sorte ou como é que é. Como diz o ditado a necessidade aguça o engenho. E como vimos um divã dobrado e sem lençóis perguntamos se um de nós podia dormir num saco cama em cima dele sem qualquer acréscimo e a senhora condescendeu. Safamo-nos de outra. Mas como a noite era para aventuras a dona da casa disse-nos que não tinha jantar para nós porque tínhamos aparecido vindos do nada sem ela esperar, pelo que tinha que desenrascar qualquer coisa e lá vimos o belo do peixinho a voar para a mesa do outro hóspede. No nosso prato caiu um omelete com pimentos. Como áquela hora não tínhamos escolha lá devoramos os pimentos sabendo de antemão que no dia seguinte iam dar cá uma reacção!!! Como tínhamos ficado com fome pedimos pão para comer com uma manteiga caseira e feita pela própria. Quando nos preparávamos para o pãozinho a senhora lá fez o terceiro milagre do dia, tal como a Rainha santa, também ela peregrina de Coimbra a Santiago, só que desta feita e devidamente adaptada ao local e ás circunstancias transformou o pão em peixe... ou o milagre da multiplicação dos peixes.
Enfim finalmente a noite começava a correr de feição.


A refeição foi então rematada por uma sobremesa, que considero das melhores que já comi em toda minha vida por terras espanholas ou portuguesas. Um doce de queijo fresco com um toque de compota de morango em cima, tudo confeccionado pela proprietária na quinta. Divinal.


No final ficamos até ás duas da manhã a conversar com o hospede ciclista e com o mapa Michelin desdobrado, localizamos e contamos as nossas aventuras do passado por terras ibéricas.
 
fuel100, meu bom amigo fiquei a babar em frente ao ecran, por várias razões:
1º estou com um entorse e não tenho andado
2º que belos sítios por onde passaram
3º ver o sol e dias radiosos coisa que já não vemos á dezenas de dias
Já acabou o relato ?? Não há mais............

Um Abraço
 

Nazgul

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Fabuloso o relato dessa vossa jornada. Muito bom mesmo.
Gostava de pedir se fosse possível, quando terminarem o relato da vossa aventura, se podem colocar a quilometragem diária assim como a altimetria conseguida (se tiverem os dados é claro).

Um abraço e continuem com o vosso relato

Nazgul
 
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fuel100

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Boas tardes.
O relato ainda não acabou. ainda falta o terceiro dia, que também é bastante interessante .
Só acaba quando apanharmos o autocarro em Muxia, só que hoje o meu puto faz anos e tenho que estar com a família.
Amanhã vou ver se hospedo as restantes fotos na net e faço a conclusão da aventura.
mas avanço com algumas informações:
1º dia : Santiago- Negreira - 30 Km.
2º dia : Negreira - Nimeia/Fonte queiroso (dormida em turismo rural ) - 100Km
3º dia : Nimeia - Muxia - Total (incluindo a visita á cidade) - 22Km.
Total : 152km.
A altimetria - Não faço ideia porque não levei GPS - Sabem , os Caminhos de Santiago não se fazem com GPS, mas adianto que existem 2 ou 3 subidinhas de 100 a 150 metros que se fazem com uma perna às costas, nada de mais e depois é a caminho da costa e portanto desce-se mais do que se sobe.
Adianto ainda que, para quem já fez o caminho português, este da finisterra é muito mais fácil. Não há nada parecido com aquela parede esburacada a seguir a Ponte de Lima que só se faz a pé.
...e é muito mais interessante. Não há nada parecido com aquela travessia pela zona industrial de Purriño.
um abraço a todos e tenham paciência que amanhã há mais.estou contente por gostarem.
Vou ver se ainda hoje á noite meto qualquer coisa, senão, até amanhã.
 
F

fuel100

Guest
3º dia – Fonte Queiroso (Nimeia)- Muxia



Era nosso propósito, naquele dia, chegar a Muxía e retornar a Santiago percorrendo em sentido inverso o caminho desde a bifurcação em Hospital. Como tínhamos ficado a 16 km do nosso objectivo tínhamos que acrescentar essa quilometragem aos cerca de 90 km que separam Muxia de Santiago. Como já conhecíamos grande parte do caminho de regresso (a partir da bifurcação), resolvemos, no dia seguinte, pormo-nos a caminho em mais uma aventura épica e maratoniana de cerca de 110 Km agora sem parar tanto para as fotos.



Só que, ainda não tínhamos andado um único dos 110 Km e outro percalço desta vez definitivo. O aro da frente da roda da bike do Joaquim acusou a idade e deu a alma ao criador, isto é, descascou-se que nem uma lata de conserva e pum, foi o fim, Ainda andou com cuidado uns 10 Km mas os últimos 5 foi mesmo um verdadeiro peregrino a butes.




Aí não tivemos outra alternativa do que pensarmos em regressar a Santiago por autocarro.
Enquanto isso, eu e o António aproveitamos para deambular por algumas praias em enseadas desertas















O Joaquim a peregrinar a sua bike.



Ao longe, a pequena península onde se situa Muxía



Chegamos a Muxía por volta das 11 horas e de imediato fomos informarmos do transporte.
Para grande alívio era permitido levar as bikes até Santiago e o autocarro partia só às 14,30h pelo que restava muito tempo para visitar a localidade e em particular o famoso santuário á beira-mar e almoçar um peixinho da terra bem fresquinho.





[ Continua ]
 
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fuel100

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Em Muxia


Já na cidade, dirigimo-nos, em primeiro lugar, ao posto de turismo local onde recolhemos a Muxiana um documento semelhante ao recolhido em Finisterra.

(Posto de Turismo onde passam a Muxíana)


A Muxíana – comprova que o peregrino elegeu este local como final do seu caminho.


Na Avenida marginal, à semelhança de muitos outros locais em Espanha, não falta uma ciclovia




















A seguir fomos á descoberta do famoso santuário da Virgem da barca que não se vê de imediato da cidade. Contornámos o monte e, já virados para o mar aberto, lá demos com ele que, por acaso estava fechado. Conseguimos no entanto espreitar para o interior e vimos uma coisa curiosa. Possui o pavimento em rampa e com a inclinação no sentido da saída voltada para o mar por causa das marés vivas.


Os efeitos do derrame do Prestige junto ao santuário.




Reparamos que o Santuário não se encontra sozinho já que foi colocado, num plano mais elevado, um gigantesco monólito, com uma fenda ao meio que constitui um memorial às consequências do derrame de crude produzido pelo “Prestige” em Novembro de 2002. Está colocado precisamente ao lado do marco do caminho com a concha.


O nome desta escultura é sugestivo “A ferida”. Há ângulos de visão que temos a ilusão de escala em que nos parece que é infinitamente maior que o Santuário. Significativo.









Por fim encetamos o caminho de regresso com as que seriam as últimas pedaladas da jornada. Ainda deu para subirmos a um miradouro de onde dava para observar uma vista geral da localidade e finalmente fomos procurar um sítio para almoçar.














Encontramos uma pequena tasca com comida caseira onde naturalmente atacamos um peixinho grelhado fresquinho como não podia deixar de ser e rematamos esta nossa aventura da melhor maneira.


Por fim, às 14,30h, colocamos, as bikes inteiras no porão da camioneta. (havia de ser em Portugal?).
A maioria dos passageiros era peregrino e este era o último autocarro em direcção a Santiago.
No percurso fomos revendo alguns pontos do caminho que tínhamos percorrido dois dias antes mas agora sem a emoção do imprevisto e da surpresa, agora apenas alguma nostalgia como quem recorda acontecimentos passados que nos fizeram felizes.
Para o ano há outros caminhos, outras aventuras, outras emoções, quem sabe o caminho Inglês ou outra vez o mesmo que nunca é igual por mais vezes que se faça.








[Continua para as notas finais]
 

leão verde

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Parabéns por esta iniciativa, pela concretização dos diferentes caminhos como também pelas fotos que são muito bonitas.

Estou a pensar fazer o Caminho Português ainda este ano e gostaria de vos perguntar, visto que têm experiência daquilo que é o Caminho, se vos parece minimamente seguro executá-lo em solitário. No vosso ponto de vista quais serão as maiores dificuldades / problemas que poderei encontrar?

Mais uma vez parabéns e força para novas iniciativas

Obrigado
 

simes

New Member
Boas companheiros do pedal, antes de mais tenho que lhes dar os parabéns, tanto pelo caminho efectuado como pelas fotos, simplesmente espectaculares :clap:.
Para quem como eu já fez o caminho português, ler este relato reaviva-me a memória de três dias bem passados recentemente na companhia de alguns amigos. Por outro lado, só faz crescer a vontade de pegar na bicla a partir à descoberta de um novo caminho, quem sabe se não será este o escolhido para este ano, a ver vamos...
E já agora, se me é permitido dar uma dica ao Leao verde, fazer o caminho português sozinho julgo que poderá ser algo imprudente, não que o percurso seja perigoso (exceptuando a descida da Labruja) mas porque pode sempre acontecer um acidente e por outro lado se for feito acompanhado dar para desfrutar melhor. Mas isto é a minha opinião e se o objectivo for fazê-lo numa perspectiva de introspeção ou outro motivo, força...

Mais uma vez parabéns e força nos pedais, para estas e para as outras voltas.

A.S.
 
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