Re: Rota do Homem (de Vila Verde a Vilarinho das Furnas)
A Rota do Velho, 8 de Novembro de 2008
Quando contei às minhas filhas que tinha marcado um encontro pela internet com gajos de calções de lycra, elas olharam-me reprovadoramente mas nada disseram. Já conhecem o velhote e muitas vezes o avisaram...
O convite tinha falhado junto às tribos inimigas-de-peito, ficando os índios enroscados com as suas squaws. Apenas um jovem militar compareceu na formatura, no chuvoso sábado de manhã de 8 de Novembro. Foi uma decisão estranha pois o bom-senso faz com que nenhum major queira fazer flexões, na parada, junto a um jovem recruta. Perde-se o ascendente que a idade confere ao tipo dos galões que não consegue, obviamente, competir com a frescura da juventude. De facto, esta questão da idade foi rapidamente trazida à conversa quando já rolávamos em direcção ao monte de S. Pedro de Fins. Perguntava-me o meu parceiro: “Então, ainda trabalha?”. Fiz-lhe notar que ainda “nem 50” tinha feito, era ainda cedo para a reforma. Já lá mais para o fim, retomava o tema confessando-se agradavelmente surpreendido por haver gente “com a minha idade” a fazer trajectos grandes como o que nesse dia se fez. É claro que para mim, um tipo com metade da minha idade é alguém como eu era há uns dias atrás. Já para ele, o cota com o
dobro da idade é alguém em que ele um dia, num futuro distante, quiçá numa outra galáxia, se transformará... A franqueza do meu parceiro não deixava de me admirar. Comentando eu o cómico da situação de ser alcunhado Major e nem à tropa ter ido, respondia ele que já sabia da história mas que não me achava com cara de militar mas sim de ditador. Condoía-se, inclusivamente, das imaginárias torturas que eu, supostamente, faria aos meus alunos.
Heil de mim...
A conversa decorria amena e a companhia revelava-se agradável. O ritmo lento e sem paragens convinha-me naquele dia frio e húmido e com uma centena de Km para fazer. Descemos do monte de S. Pedro de Fins para apanhar a Via Nova e começou, então, a parte mais difícil. Trazia a bicicleta de reserva, com uma suspensão meio desregulada (constatei
a posteriori que uma das câmaras pneumáticas estava sem ar) e, aliada a uma azelhice particularmente exuberante nesse dia, fazia-me progredir com dificuldade nos troços mais técnicos da Geira. Quanto às descidas mais pedregosas, desistia imediatamente de as fazer ao ver o brilho maligno do granito molhado a convidar-me para um passeio aos esses. Quanto ao meu colega, trepava e descia qual cabrito endiabrado, na sua “lefty”. Fez-me lembrar outro “cabra manca” que já me tinha acompanhado noutra incursão à Geira.
Na Geira, tivemos um encontro peculiar. Uma vintena de caçadores, espaçados cada 50 metros ao longo do caminho, aguardava a possível investida de um javali acossado pelos mastins. Alguns dos caçadores mandavam-nos passar rapidamente antes que chegasse a besta, outros diziam para seguirmos lentos e vigilantes e, finalmente, outros ordenavam-nos que fôssemos dali embora pois a Geira estava fechada para a montaria ao javali. Todos exibiam munição de calibre impressionante e, alguns, munição militar. Ofendidos com o sentido de posse dos caçadores pela “nossa” Geira, lá avançámos sem danos. Silenciosamente, torci pelo javali.
À frente cruzámo-nos com os cavalos que se julgavam em sua casa e que, lentamente, nos davam passagem.
Desanimado com a minha performance e com o orgulho mirrado, lá prossegui penosamente até chegarmos a Covide onde parámos para almoçar. A paragem ao frio não me fez muito bem, ficando com aquela sensação de pré-contractura nos músculos da perna sempre que fazia mais esforço. Felizmente a subida asfaltada até Brufe é suave e, com uma boa gestão de esforço, lá consegui re-aquecer os músculos de modo a evitar as cãimbras. Ao passar pela barragem de Vilarinho, lá avistei umas árvores conhecidas que combinam as suas cores lusas. Desta feita, a bandeira parecia pintada por um Seurat ou um qualquer outro pointiliste do século XIX.
Lá no cimo a paisagem era deprimentemente cinza. O meu parceiro enumerava os seus conhecidos nesta área: Cagaréus, Bicigodos, Ferrão... só me pareceu não ir muito com a cara de uns tipos da capital! Contava das suas participações nas mais diversas provas. Aaahh, se eu tivesse lido o CV antes de marcar este passeio... teria escapado de um bom empeno.
Chegámos a Santo António de Mixões da Serra sem paragens e, sem parar, continuámos. Na crista do monte que nos levaria a Portela do Vade começou a chover. Assim que atingimos o topo da estrada que desce directamente para Pico de Regalados, uma via “escapatória” que tinha tomado com o Indy há uns meses atrás, sugeri ao meu companheiro a possibilidade de a tomar. Li-lhe no olhar uma recriminação surda pelo que logo argumentei, atabalhoadamente: “Mas também não é preciso. Até nem está a chover muito. Podemos perfeitamente continuar...”. Vesti o capote e lá seguimos pelo meio da névoa e da chuva. As descidas tornavam-se castigadoras com a suspensão muito dura. No final, desisti de fazer a trialeira que desce o flanco do monte pois quase não se via dois palmos à frente dos olhos. Lá em baixo, o tempo melhorou pois deixávamos os estratos nebulosos e entrávamos nos vales.
O regresso foi feito por estradões não tendo eu sugerido qualquer outra escapatória de asfalto com medo de qualquer reprimenda. As subidas já se faziam mais sofridamente mas, enquanto eu arfava penosamente por ali acima, o meu companheiro atendia as chamadas da sua namorada. Lá da frente, trazidas pelo vento, ouvia as palavras “amorzinho”, “beijinhos”, “depois ligo que agora estou a descer o monte...”.
Cheguei a casa cansado. Vou mesmo ter que deixar de marcar encontros pela internet com gajos vestidos com calções de lycra...