Braga - Santiago de Compostela - O Relato
Após alguns meses de cogitação e planeamento, lá nos lançámos nesta aventura de unir Braga a Santiago de Compostela pela Via Nova que atravessa a Geira no Gerês. O plano original era fazê-lo em três dias. Primeiro dado importante: 3 DIAS É CURTO. Curiosamente, estava convicto de que o primeiro dia seria o pior de todos. Não foi, bem longe disso. O pior foi o último dia. Roçou mesmo o desespero...
O plano era fazer o percurso em autonomia total. Logo, teríamos as dificuldades acrescidas de pedalar com alforges. Efectivamente, revelou-se bem complicado em certas partes da Geira e mesmo do Caminho de Santiago. Sobretudo, porque fizemos o Caminho de Santiago depois de um enorme temporal e as pedras estavam cobertas de lama e musgo molhado, ficando MUITO escorregadias. Com alforges, tudo se complica, embora, confesse, no terceiro dia já nem dava por eles. Só nas partes mais técnicas é que tudo se complica com os alforges.
Primeiro passo desta aventura: arranjar uns hotéis baratos e próximos do trilho. Facto que foi conseguido de uma forma relativamente simples.
Segundo passo: definir como viajar para Braga e regressar de Santiago. Elegemos o comboio como meio de transporte preferencial. O plano era ir de Alfa Pendular de Lisboa até Braga (cerca de 3h, directo), pedalar até Santiago, apanhar um comboio de Santiago para Vigo (1h 30m, directo), apanhar um comboio que há diariamente de Vigo para o Porto (cerca de 3h, directo), apanhar o Alfa Pendular do Porto para Lisboa (cerca de 3h, directo). Após uma ENORME dificuldade em perceber como podíamos transportar as bikes de comboio (ver Post mais acima) devo dizer que, depois de finalmente termos a informação correcta, tudo correu na perfeição e não tivemos problemas nenhuns para levar as bikes nos comboios portugueses.
E como são transportadas as bikes nos comboios nacionais? Dentro de sacos do lixo de grandes dimensões e fechados, com o guiador virado ao correr do quadro para que a bicicleta ficasse “espalmada” e com as rodas desmontadas e também dentro de um saco. Arranjei uns sacos de 240 litros na Makro e bastavam 3 sacos (1 para as rodas e 2 para o quadro) para que ficasse totalmente "embrulhada". Claro que tivemos de levar sacos connosco para as embrulhar no regresso.
É de referir que nos comboios espanhóis, nada disto é necessário, já que têm uns suportes especiais para levar bikes. MAS ATENÇÃO: o número de bikes por carruagem está limitado a 3 e é necessário tirar um bilhete para a bike (apesar de ser gratuito o transporte). Claro que isto é tudo na teoria, já que no mesmo comboio em que nós viajámos de Santiago, entraram umas 10 ou 12 bikes à revelia deste esquema e viajaram na mesma...
Depois de chegarmos a Braga, lá nos deslocámos para o primeiro Hotel: o Hotel de Lamaçães. Nada a dizer sobre este hotel, já que era perfeitamente normal. Na manhã do dia seguinte, bem cedinho nos fizemos à estrada. Estavam previstos 68km e eu estava convencido de que era o dia mais duro da viagem. Puro engano... Além de um pequeno erro em Amares que nos custou 10 km a mais (5 de erro e outros tantos para o corrigir), tudo correu bem. O tempo estava tremido, mas nunca choveu. Os trilhos eram lindos (pudera, em pleno Parque Nacional da Peneda Gerês), duros q.b. mas bem menos violentos do que o esperado. Claro que os alforges complicavam um pouco a coisa, mas lá nos íamos habituando.
Fizemos um pequeno desvio até Amares para passarmos pelo café no nosso amigo OCRAM e, depois de uma bica, lá nos fizemos à Geira propriamente dita. Na realidade, entrámos rapidamente na Via Nova que era uma estrada romana facilmente identificável pelos inúmeros marcos de milhas romanas que a bordejam.
A paisagem é linda, as Terras de Bouro são majestosas e, digo-vos, é um privilégio praticar BTT por aquelas paragens. Os trilhos lá se iam desenrolando numa longa subida de quase 45km, pontuada por fugazes episódios de descidas. Ao chegar ao rio Homem, a paisagem impressiona e a cor escura do rio lava os olhos, num trilho que ladeia o rio durante alguns quilómetros até que, finalmente, na Portela do Homem, deixámos para trás a Lusa Pátria.
Dali até ao nosso hotel, em Lobios, foi um instante com a altimetria, desta vez, a ajudar apresentando um sentido mais descendente.
Ao chegarmos ao nosso hotel em Lobios (os Apartamentos Via Nova), o tempo começou mesmo a piorar e, nem uma hora depois começou a chover torrencialmente. Já fomos jantar sob chuva forte. Uma vez de volta ao hotel, começámos a seguir a meteorologia como mais atenção e o alerta tinha passado para Laranja (segundo mais grave) com ventos de mais de 100 km/h na costa e, tendo saído de Portugal com uma previsão de 0,9 mm de chuva por metro quadrado por hora, passámos para 90mm(!) de chuva por metro quadrado por hora. 100 vezes mais!!!!
Olhámos uns para os outros com alguma preocupação e fomos dormir para acordar às 7:00 e ver como estavam as coisas. Entretanto, chovia cada vez mais torrencialmente e o vento estava verdadeiramente violento. Durante TODA a noite choveu a cântaros, às 7:00 chovia a potes, às 9:00 a potes chovia, e às 11:00 encolhemos os ombros e saímos para enfrentar a borrasca. :director:
Após 25 km a pedalar debaixo de uma chuva diluviana, eu e o Surfas parámos numa paragem de autocarro e esperámos pelo Rato que se demorava. Quando finalmente chegou disse que estava ensopado até aos ossos, cheio de frio e sentia-se adoentado. O casaco dele de casaco só tinha mesmo o nome. Ali mesmo, na paragem de autocarro, trocou de roupa e enrolou um saco do lixo (dos tais de 240 litros) à volta do peito. Voltámos para debaixo do temporal até à próxima cidade para tentar comer qualquer coisa.
Parámos em Bande para almoçar. Perguntámos à menina se nos podíamos sentar numas cadeiras com estofo, já que escorríamos água por todos os poros e mais alguns orifícios que tivéssemos... Ela encolheu os ombros e disse que sim a revirar os olhos... Durante o almoço, o Rato e o Surfas foram espremer as meias à casa de banho... Porém, o estado de saúde do Rato agravava-se... Perguntámos então a uma das meninas, se era possível arranjar um táxi com suporte de bikes para levar o Rato para Ourense.
Faltavam cerca de 40 km. Lá se conseguiu arranjar um táxi equipado com um reboque para as bikes, mas a chuva não abrandava, antes pelo contrário. Acabámos por decidir ir todos no táxi, porque a tempestade não dava mostras de acalmar nem um pouco. Durante toda a viagem no táxi, a chuva fustigava as janelas e nós ensopávamos o carro todo ao homem. Estava mesmo complicado. Conclusão: 80€ de táxi e menos 40 km na pernas. Porém, estávamos vivos e prontos para o dia seguinte, se a meteorologia o permitisse.
O Rato lá se foi enfrascando em Ben-U-Rons (não havia muito mais) e a noite foi mais calma. Às 7:00, eu e o Surfas espreitámos da janela e o tempo estava incerto mas sem chuva. O Rato ainda estava adoentado e decidiu que iria de comboio para Santiago enquanto que nós nos fazíamos à estrada para cumprir os últimos 115km desta aventura entre Ourense e Santiago de Compostela.
Saímos por volta das 8:00 e começamos a última etapa. Depois de mais uns "bocadilhos" para pequeno almoço, surge-nos uma subida em alcatrão que só vos digo... uma parede de chorar!!! A meio já seguiam outros peregrinos a pé dos quais nos aproximámos paulatinamente. A subida tinha uma curva lá no alto e nós pensámos, erradamente, que acabaria por ali. Puro engano! Foram 3,7 km de uma subida penosa e MUITO, MUITO dura. Parámos duas vezes a meio, mais para acalmar o coração do que para qualquer outra coisa. De resto foi sempre a pedalar por ali acima. Pelo caminho, o Surfas perguntava-me quanto é que eu achava que tinha de inclinação. Eu disse-lhe que em Sesimbra havia uma parecida com 18% de inclinação mas que tinha apenas uns 50 ou 100 metros de comprimento. Ao chegar lá acima, vimos um sinal triangular de perigo que avisava os automobilistas que começavam a descer o que tínhamos acabado de trepar e avisava: 19% de inclinação!!!
Juro que se tivesse visto o sinal no início, não sei se tinha força mental para a trepar toda montado... No gráfico da altimetria, tem o seguinte aspecto:
Depois foi dar corda às pernas, já que tínhamos de estar em Santiago de Compostela até às 20:00, hora a que fechava a Oficina do Peregrino. Depois daquela subida terrível, foi SEMPRE a trepar até ao quilómetro 40... sim, foram cerca de 30km sempre a trepar e MUITO. Um desespero, duro de roer. Perto do quilómetro 40, parámos para almoçar, tendo partilhado a mesa com uns companheiros de Foz Côa que ainda tinham dois dias pela frente.
Quando lhes dissemos que ainda íamos directos para Santiago naquele dia (faltam cerca de 60km) acharam que éramos malucos. Depois do almoço, felizmente o trilho começou a andar sempre a direito ou a descer. Caso contrário teria sido impossível concretizar os nossos planos. Apesar disso, começámos a fazer contas à vida e a percurso. Em Dózon perguntámos como podíamos chegar a Santiago de uma forma alternativa. Disseram-nos que em Lalín passava um comboio que ia para Santiago. Decidimos que íamos apanhar o comboio porque a coisa estava a ficar mesmo difícil de concretizar.
Ao chegarmos a Lalín, o Caminho passava mesmo ao lado da estação, eram 16:00 e o último comboio tinha passado às 15:00, sendo que o próximo passava apenas às 21:00. Incrédulos, olhámos um para o outro e fizemos-mos à estrada. Estrada mesmo, porque por trilho seria impossível. Estávamos no km 71 e faltavam 46 km para o km 117, que tinham de ser percorridos em menos de 4 horas. Pedalámos como se não houvesse amanhã. Acho que nunca andei naquele ritmo em toda a minha vida de ciclista. Às 19:40 liga-me o Rato para saber como estavam as coisas. Estava a 1km de Santiago e desliguei o telefone para chegar a tempo à Oficina do Peregrino. O problema é que estava a 1km da placa de Santiago, mas a uns 5 kms da Oficina do Peregrino.
Percorri as ruas de Santiago completamente desembestado, passei vermelhos, subi passeios, fiz razias a carros. Quando entrei na rua da Oficina do Peregrino, começam a dar as badaladas das 20:00 nos sinos da Catedral. Parecia um filme... A rua da Oficina do Peregrino é uma rua pedestre e fiz uma gincana pelo meio dos transeuntes que até assustava. Cheguei à porta da Oficina do Peregrino eram 20:07. Larguei a bike nos suportes e subi as escadas de dois em dois degraus. Vitória!!! Estava aberto e tinha umas 4 pessoas à minha frente. Às tantas, começo a achar que aquilo tudo tinha muito pouco ar de estar a fechar e, apesar de todos os letreiros dizerem que fechava às 20:00, nada indicava que estaria a fechar. Perguntei à menina se não fechava às 20:00, suando profusamente e ainda a tentar controlar a respiração. Ela disse que em dias em que havia muitos peregrinos, excepcionalmente fechavam às 21:00… Não sabia de devia rir ou chorar da coisa… Depois dos trâmites para obter a Compostela, desci as escadas e encontrei o Rato cá em baixo. Ele tinha ficado a olhar para a minha bike com o GPS ainda ligado, sem cadeado ali paradinha com os alforges em cima e questionou-se se seria mesmo a minha. Ainda liguei ao Surfas para lhe dizer que, afinal, ainda tinha tempo e ele chegou uns 25 minutos depois de mim.
Já com a Compostela na mão, saímos em direcção à estação de comboios para comprar o bilhete para Vigo e, finalmente, comer qualquer coisa. Tudo correu bem, jantámos, apanhámos o comboio e lá partimos. Pelo meio, ainda tivemos a emoção de o Surfas ter perdido o capacete, óculos e luvas na estação, mas, após procurar afincadamente, estavam nos Perdidos e Achados (ou algo do género) da estação. Tiveste pouca sorte, tiveste…
O hotel em Vigo tinha sido uma aventura de conseguir. Todos os hotéis dentro de Vigo são absurdamente caros. Não sei porquê, mas é um facto. Por este motivo, marcámos um hotel que fica num local semelhante ao que Almada é para Lisboa. Ficámos nos Apartamentos Rodeiramar. Sabíamos que a travessia podia ser feita por uns barcos (20 minutos) e que, caso não conseguíssemos apanhar o barco, teríamos ainda de percorrer cerca de 60km de bicicleta em redor da baía de Vigo. Já dentro do comboio, liguei para o hotel de Vigo para lhes dizer que íamos chegar um pouco mais tarde e que estávamos com um problema já que iríamos chegar depois do último barco. Devo dizer que eles foram excepcionais já que nos foram buscar à estação dos comboios em dois carros para que fosse possível levarmos as bikes. Uma atenção simpática já que, apesar de insistirmos que queríamos pagar, se recusaram a receber um cêntimo que fosse. Foram mesmo excepcionalmente simpáticos!!!
No dia seguinte, alvorada às 6:15 hora espanhola (5:15 em Portugal). Apanhámos o barco que havíamos perdido no dia anterior, fomos para a estação dos comboios e apanhámos o comboio das 7:15 directo para o Porto. Depois disso, apanhámos o Intercidades do Porto para Lisboa (era feriado nacional e os horários do serviço Alfa Pendular são mais escassos). Chegámos à Gare do Oriente perto das 14:00.
Partilho convosco os erros cometidos já que, creio, servirão para ajudar outros amigos que se predisponham a fazer esta aventura. Primeiro erro: levei apenas duas mudas de roupa. Só pensava na questão do peso e cortei numa série de coisas. Devia ter levado mais uma muda de roupa. Claro que o facto de ter chovido torrencialmente não ajudou, mas devia ter levado 3 mudas de roupa em vez de apenas duas. Com o temporal que se abateu sobre a região, a roupa não secava de um dia para o outro. Acreditem, é desagradável vestir a roupa ainda húmida do temporal da véspera... :violent1: Convém levar também uma muda de roupa mais à civil, se tal for possível. Durante três dias vesti uma jersey de BTT, para dormir e tudo.
Não tivemos uma única avaria mecânica. Nada, nem mesmo um furo. Planeiem chegar a Santiago de Compostela perto da hora de almoço do último dia. É um prazer passear pela cidade e desfrutar do ambiente. Façam etapas de um máximo de 70/80 km. Mais do que isso é arriscado ou pode ser muito sofrido mesmo!
Em jeito de resumo, já decidimos não voltar aos Caminhos de Santiago em Outubro. É a segunda vez que o fazemos e pela segunda vez apanhamos uma molha descomunal. A aventura sem carro de apoio e com alforges é mais “extrema”, no sentido em que tudo tem de ser resolvido por nós e por mais ninguém. O percurso é muito duro de Ourense a Santiago e o cansaço acumulado pesa, juntando-se ao peso dos alforges. Creio que não mais voltarei a fazer os Caminhos de Santiago com carro de apoio, porque a sensação de aventura é ENORME quando estamos apenas por nossa conta.
A companhia é o mais importante nestas aventuras. O Surfas já é um velho companheiro de aventuras e o Rato, enquanto esteve saudável, portou-se sempre à altura do desafio. Espero que possamos repetir um dia e que ele esteja a 100% para desfrutar plenamente da aventura.
Abraços!!!
Após alguns meses de cogitação e planeamento, lá nos lançámos nesta aventura de unir Braga a Santiago de Compostela pela Via Nova que atravessa a Geira no Gerês. O plano original era fazê-lo em três dias. Primeiro dado importante: 3 DIAS É CURTO. Curiosamente, estava convicto de que o primeiro dia seria o pior de todos. Não foi, bem longe disso. O pior foi o último dia. Roçou mesmo o desespero...
O plano era fazer o percurso em autonomia total. Logo, teríamos as dificuldades acrescidas de pedalar com alforges. Efectivamente, revelou-se bem complicado em certas partes da Geira e mesmo do Caminho de Santiago. Sobretudo, porque fizemos o Caminho de Santiago depois de um enorme temporal e as pedras estavam cobertas de lama e musgo molhado, ficando MUITO escorregadias. Com alforges, tudo se complica, embora, confesse, no terceiro dia já nem dava por eles. Só nas partes mais técnicas é que tudo se complica com os alforges.
Primeiro passo desta aventura: arranjar uns hotéis baratos e próximos do trilho. Facto que foi conseguido de uma forma relativamente simples.
Segundo passo: definir como viajar para Braga e regressar de Santiago. Elegemos o comboio como meio de transporte preferencial. O plano era ir de Alfa Pendular de Lisboa até Braga (cerca de 3h, directo), pedalar até Santiago, apanhar um comboio de Santiago para Vigo (1h 30m, directo), apanhar um comboio que há diariamente de Vigo para o Porto (cerca de 3h, directo), apanhar o Alfa Pendular do Porto para Lisboa (cerca de 3h, directo). Após uma ENORME dificuldade em perceber como podíamos transportar as bikes de comboio (ver Post mais acima) devo dizer que, depois de finalmente termos a informação correcta, tudo correu na perfeição e não tivemos problemas nenhuns para levar as bikes nos comboios portugueses.
E como são transportadas as bikes nos comboios nacionais? Dentro de sacos do lixo de grandes dimensões e fechados, com o guiador virado ao correr do quadro para que a bicicleta ficasse “espalmada” e com as rodas desmontadas e também dentro de um saco. Arranjei uns sacos de 240 litros na Makro e bastavam 3 sacos (1 para as rodas e 2 para o quadro) para que ficasse totalmente "embrulhada". Claro que tivemos de levar sacos connosco para as embrulhar no regresso.
É de referir que nos comboios espanhóis, nada disto é necessário, já que têm uns suportes especiais para levar bikes. MAS ATENÇÃO: o número de bikes por carruagem está limitado a 3 e é necessário tirar um bilhete para a bike (apesar de ser gratuito o transporte). Claro que isto é tudo na teoria, já que no mesmo comboio em que nós viajámos de Santiago, entraram umas 10 ou 12 bikes à revelia deste esquema e viajaram na mesma...
Depois de chegarmos a Braga, lá nos deslocámos para o primeiro Hotel: o Hotel de Lamaçães. Nada a dizer sobre este hotel, já que era perfeitamente normal. Na manhã do dia seguinte, bem cedinho nos fizemos à estrada. Estavam previstos 68km e eu estava convencido de que era o dia mais duro da viagem. Puro engano... Além de um pequeno erro em Amares que nos custou 10 km a mais (5 de erro e outros tantos para o corrigir), tudo correu bem. O tempo estava tremido, mas nunca choveu. Os trilhos eram lindos (pudera, em pleno Parque Nacional da Peneda Gerês), duros q.b. mas bem menos violentos do que o esperado. Claro que os alforges complicavam um pouco a coisa, mas lá nos íamos habituando.
Fizemos um pequeno desvio até Amares para passarmos pelo café no nosso amigo OCRAM e, depois de uma bica, lá nos fizemos à Geira propriamente dita. Na realidade, entrámos rapidamente na Via Nova que era uma estrada romana facilmente identificável pelos inúmeros marcos de milhas romanas que a bordejam.
A paisagem é linda, as Terras de Bouro são majestosas e, digo-vos, é um privilégio praticar BTT por aquelas paragens. Os trilhos lá se iam desenrolando numa longa subida de quase 45km, pontuada por fugazes episódios de descidas. Ao chegar ao rio Homem, a paisagem impressiona e a cor escura do rio lava os olhos, num trilho que ladeia o rio durante alguns quilómetros até que, finalmente, na Portela do Homem, deixámos para trás a Lusa Pátria.
Dali até ao nosso hotel, em Lobios, foi um instante com a altimetria, desta vez, a ajudar apresentando um sentido mais descendente.
Ao chegarmos ao nosso hotel em Lobios (os Apartamentos Via Nova), o tempo começou mesmo a piorar e, nem uma hora depois começou a chover torrencialmente. Já fomos jantar sob chuva forte. Uma vez de volta ao hotel, começámos a seguir a meteorologia como mais atenção e o alerta tinha passado para Laranja (segundo mais grave) com ventos de mais de 100 km/h na costa e, tendo saído de Portugal com uma previsão de 0,9 mm de chuva por metro quadrado por hora, passámos para 90mm(!) de chuva por metro quadrado por hora. 100 vezes mais!!!!
Olhámos uns para os outros com alguma preocupação e fomos dormir para acordar às 7:00 e ver como estavam as coisas. Entretanto, chovia cada vez mais torrencialmente e o vento estava verdadeiramente violento. Durante TODA a noite choveu a cântaros, às 7:00 chovia a potes, às 9:00 a potes chovia, e às 11:00 encolhemos os ombros e saímos para enfrentar a borrasca. :director:
Após 25 km a pedalar debaixo de uma chuva diluviana, eu e o Surfas parámos numa paragem de autocarro e esperámos pelo Rato que se demorava. Quando finalmente chegou disse que estava ensopado até aos ossos, cheio de frio e sentia-se adoentado. O casaco dele de casaco só tinha mesmo o nome. Ali mesmo, na paragem de autocarro, trocou de roupa e enrolou um saco do lixo (dos tais de 240 litros) à volta do peito. Voltámos para debaixo do temporal até à próxima cidade para tentar comer qualquer coisa.
Parámos em Bande para almoçar. Perguntámos à menina se nos podíamos sentar numas cadeiras com estofo, já que escorríamos água por todos os poros e mais alguns orifícios que tivéssemos... Ela encolheu os ombros e disse que sim a revirar os olhos... Durante o almoço, o Rato e o Surfas foram espremer as meias à casa de banho... Porém, o estado de saúde do Rato agravava-se... Perguntámos então a uma das meninas, se era possível arranjar um táxi com suporte de bikes para levar o Rato para Ourense.
Faltavam cerca de 40 km. Lá se conseguiu arranjar um táxi equipado com um reboque para as bikes, mas a chuva não abrandava, antes pelo contrário. Acabámos por decidir ir todos no táxi, porque a tempestade não dava mostras de acalmar nem um pouco. Durante toda a viagem no táxi, a chuva fustigava as janelas e nós ensopávamos o carro todo ao homem. Estava mesmo complicado. Conclusão: 80€ de táxi e menos 40 km na pernas. Porém, estávamos vivos e prontos para o dia seguinte, se a meteorologia o permitisse.
O Rato lá se foi enfrascando em Ben-U-Rons (não havia muito mais) e a noite foi mais calma. Às 7:00, eu e o Surfas espreitámos da janela e o tempo estava incerto mas sem chuva. O Rato ainda estava adoentado e decidiu que iria de comboio para Santiago enquanto que nós nos fazíamos à estrada para cumprir os últimos 115km desta aventura entre Ourense e Santiago de Compostela.
Saímos por volta das 8:00 e começamos a última etapa. Depois de mais uns "bocadilhos" para pequeno almoço, surge-nos uma subida em alcatrão que só vos digo... uma parede de chorar!!! A meio já seguiam outros peregrinos a pé dos quais nos aproximámos paulatinamente. A subida tinha uma curva lá no alto e nós pensámos, erradamente, que acabaria por ali. Puro engano! Foram 3,7 km de uma subida penosa e MUITO, MUITO dura. Parámos duas vezes a meio, mais para acalmar o coração do que para qualquer outra coisa. De resto foi sempre a pedalar por ali acima. Pelo caminho, o Surfas perguntava-me quanto é que eu achava que tinha de inclinação. Eu disse-lhe que em Sesimbra havia uma parecida com 18% de inclinação mas que tinha apenas uns 50 ou 100 metros de comprimento. Ao chegar lá acima, vimos um sinal triangular de perigo que avisava os automobilistas que começavam a descer o que tínhamos acabado de trepar e avisava: 19% de inclinação!!!
Juro que se tivesse visto o sinal no início, não sei se tinha força mental para a trepar toda montado... No gráfico da altimetria, tem o seguinte aspecto:
Depois foi dar corda às pernas, já que tínhamos de estar em Santiago de Compostela até às 20:00, hora a que fechava a Oficina do Peregrino. Depois daquela subida terrível, foi SEMPRE a trepar até ao quilómetro 40... sim, foram cerca de 30km sempre a trepar e MUITO. Um desespero, duro de roer. Perto do quilómetro 40, parámos para almoçar, tendo partilhado a mesa com uns companheiros de Foz Côa que ainda tinham dois dias pela frente.
Quando lhes dissemos que ainda íamos directos para Santiago naquele dia (faltam cerca de 60km) acharam que éramos malucos. Depois do almoço, felizmente o trilho começou a andar sempre a direito ou a descer. Caso contrário teria sido impossível concretizar os nossos planos. Apesar disso, começámos a fazer contas à vida e a percurso. Em Dózon perguntámos como podíamos chegar a Santiago de uma forma alternativa. Disseram-nos que em Lalín passava um comboio que ia para Santiago. Decidimos que íamos apanhar o comboio porque a coisa estava a ficar mesmo difícil de concretizar.
Ao chegarmos a Lalín, o Caminho passava mesmo ao lado da estação, eram 16:00 e o último comboio tinha passado às 15:00, sendo que o próximo passava apenas às 21:00. Incrédulos, olhámos um para o outro e fizemos-mos à estrada. Estrada mesmo, porque por trilho seria impossível. Estávamos no km 71 e faltavam 46 km para o km 117, que tinham de ser percorridos em menos de 4 horas. Pedalámos como se não houvesse amanhã. Acho que nunca andei naquele ritmo em toda a minha vida de ciclista. Às 19:40 liga-me o Rato para saber como estavam as coisas. Estava a 1km de Santiago e desliguei o telefone para chegar a tempo à Oficina do Peregrino. O problema é que estava a 1km da placa de Santiago, mas a uns 5 kms da Oficina do Peregrino.
Percorri as ruas de Santiago completamente desembestado, passei vermelhos, subi passeios, fiz razias a carros. Quando entrei na rua da Oficina do Peregrino, começam a dar as badaladas das 20:00 nos sinos da Catedral. Parecia um filme... A rua da Oficina do Peregrino é uma rua pedestre e fiz uma gincana pelo meio dos transeuntes que até assustava. Cheguei à porta da Oficina do Peregrino eram 20:07. Larguei a bike nos suportes e subi as escadas de dois em dois degraus. Vitória!!! Estava aberto e tinha umas 4 pessoas à minha frente. Às tantas, começo a achar que aquilo tudo tinha muito pouco ar de estar a fechar e, apesar de todos os letreiros dizerem que fechava às 20:00, nada indicava que estaria a fechar. Perguntei à menina se não fechava às 20:00, suando profusamente e ainda a tentar controlar a respiração. Ela disse que em dias em que havia muitos peregrinos, excepcionalmente fechavam às 21:00… Não sabia de devia rir ou chorar da coisa… Depois dos trâmites para obter a Compostela, desci as escadas e encontrei o Rato cá em baixo. Ele tinha ficado a olhar para a minha bike com o GPS ainda ligado, sem cadeado ali paradinha com os alforges em cima e questionou-se se seria mesmo a minha. Ainda liguei ao Surfas para lhe dizer que, afinal, ainda tinha tempo e ele chegou uns 25 minutos depois de mim.
Já com a Compostela na mão, saímos em direcção à estação de comboios para comprar o bilhete para Vigo e, finalmente, comer qualquer coisa. Tudo correu bem, jantámos, apanhámos o comboio e lá partimos. Pelo meio, ainda tivemos a emoção de o Surfas ter perdido o capacete, óculos e luvas na estação, mas, após procurar afincadamente, estavam nos Perdidos e Achados (ou algo do género) da estação. Tiveste pouca sorte, tiveste…
O hotel em Vigo tinha sido uma aventura de conseguir. Todos os hotéis dentro de Vigo são absurdamente caros. Não sei porquê, mas é um facto. Por este motivo, marcámos um hotel que fica num local semelhante ao que Almada é para Lisboa. Ficámos nos Apartamentos Rodeiramar. Sabíamos que a travessia podia ser feita por uns barcos (20 minutos) e que, caso não conseguíssemos apanhar o barco, teríamos ainda de percorrer cerca de 60km de bicicleta em redor da baía de Vigo. Já dentro do comboio, liguei para o hotel de Vigo para lhes dizer que íamos chegar um pouco mais tarde e que estávamos com um problema já que iríamos chegar depois do último barco. Devo dizer que eles foram excepcionais já que nos foram buscar à estação dos comboios em dois carros para que fosse possível levarmos as bikes. Uma atenção simpática já que, apesar de insistirmos que queríamos pagar, se recusaram a receber um cêntimo que fosse. Foram mesmo excepcionalmente simpáticos!!!
No dia seguinte, alvorada às 6:15 hora espanhola (5:15 em Portugal). Apanhámos o barco que havíamos perdido no dia anterior, fomos para a estação dos comboios e apanhámos o comboio das 7:15 directo para o Porto. Depois disso, apanhámos o Intercidades do Porto para Lisboa (era feriado nacional e os horários do serviço Alfa Pendular são mais escassos). Chegámos à Gare do Oriente perto das 14:00.
Partilho convosco os erros cometidos já que, creio, servirão para ajudar outros amigos que se predisponham a fazer esta aventura. Primeiro erro: levei apenas duas mudas de roupa. Só pensava na questão do peso e cortei numa série de coisas. Devia ter levado mais uma muda de roupa. Claro que o facto de ter chovido torrencialmente não ajudou, mas devia ter levado 3 mudas de roupa em vez de apenas duas. Com o temporal que se abateu sobre a região, a roupa não secava de um dia para o outro. Acreditem, é desagradável vestir a roupa ainda húmida do temporal da véspera... :violent1: Convém levar também uma muda de roupa mais à civil, se tal for possível. Durante três dias vesti uma jersey de BTT, para dormir e tudo.
Não tivemos uma única avaria mecânica. Nada, nem mesmo um furo. Planeiem chegar a Santiago de Compostela perto da hora de almoço do último dia. É um prazer passear pela cidade e desfrutar do ambiente. Façam etapas de um máximo de 70/80 km. Mais do que isso é arriscado ou pode ser muito sofrido mesmo!
Em jeito de resumo, já decidimos não voltar aos Caminhos de Santiago em Outubro. É a segunda vez que o fazemos e pela segunda vez apanhamos uma molha descomunal. A aventura sem carro de apoio e com alforges é mais “extrema”, no sentido em que tudo tem de ser resolvido por nós e por mais ninguém. O percurso é muito duro de Ourense a Santiago e o cansaço acumulado pesa, juntando-se ao peso dos alforges. Creio que não mais voltarei a fazer os Caminhos de Santiago com carro de apoio, porque a sensação de aventura é ENORME quando estamos apenas por nossa conta.
A companhia é o mais importante nestas aventuras. O Surfas já é um velho companheiro de aventuras e o Rato, enquanto esteve saudável, portou-se sempre à altura do desafio. Espero que possamos repetir um dia e que ele esteja a 100% para desfrutar plenamente da aventura.
Abraços!!!
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