IV Castanhada – Uma visão interna
Este é um relato de um entusiasta do BTT, a quem a idade já dá mais vontade do que força. É como tal que deve ser entendido.
A quarta edição da Castanhada, organizada com eficácia pelo Clube de BTT Terras do Vez foi, das quatro provas em que participei este ano, de longe a de maior dureza. 50 km de esforço contínuo, 5 horas de pedalada, bom companheirismo, magníficas paisagens, excelentes condições atmosféricas e uma máquina que ajudou. A classificação pela organização da prova como sendo etapa de dificuldade técnica e física média enganou alguns tolos, entre os quais me incluo.
Num dia de sol e temperatura amena, mesmo na alta montanha, cerca de trezentos ciclistas fizeram-se à estrada, a partir das 9h30m. Contou-se com a presença de muito ciclista dos concelhos mais próximos e inclusivé de alguns irmãos galegos. Algumas senhoras vieram também dar mais colorido ao pelotão. Ao invés, a delegação dos nativos locais era escassa (não foi por falta de aviso, acreditem), mas de grande qualidade.
O Clube e os parceiros que se associaram à iniciativa estão mais uma vez de parabéns, proporcionando uma prova com poucas falhas, só possível graças à boa vontade e ao sacrifício pessoal de muita gente. Gente boa.
Efectuei a prova fazendo equipa com os conterrâneos David Pereira - na melhor forma da época - e com o Filipe, residente em Oliveira e militar da GNR local. Bem escoltado, portanto. A alocução de um dos inúmeros participantes que nos honraram com a sua presença nos Arcos, de que a “fina flor do BTT nacional estava presente” era, claro está, verdadeira. Topou-nos à distância.
Do meu ponto de vista a prova teve várias fases, que a seguir procuro descrever:
Até ao Paço – A partida no Campo do Trasladário e a volta inicial à vila foi bem engendrada, permitindo mostrar uma maior visibilidade à prova, ao contrário do que sucedeu no ano anterior. Passando pelo estádio municipal, já na freguesia de Giela, subimos ao Paço com o mesmo nome (a 97 m de altitude), mostrando aos visitantes um dos ex-libris do concelho. Foram 5 km iniciais a rolar, sem dificuldades. Azar para o David, que perdeu os óculos. Fica aqui o repto: se alguém os encontrou que os devolva à organização da prova, por favor. A crise toca a todos.
O Purgatório – A subida que se seguiu até Penacova (a 374 m), já na freguesia do Vale foi feita quase sempre à mão. 3 km ininterruptos a carregar a besta, numa parte da prova que não me pareceu muito bem conseguida. À semelhança de alguns companheiros de infortúnio, dirigi alguns comentários aqui não reproduzíveis à organização. Foi um esforço exagerado, onde não se retira qualquer prazer. Secção da prova a repensar… Sei bem que há poucos anjos no pelotão, mas os pecados não serão mortais, pelo que não é necessário castigar ninguém desta forma. A verdade e nada mais que a verdade.
As calçadas – A partir da cruz de Penacova, tivemos o primeiro miradouro digno desse nome, com vislumbre para a vila. Passamos depois a sul de Gontariz, acompanhados de alguns garranos que livremente galopavam à nossa direita. Cruzada rapidamente a estrada nacional 202 descemos para a igreja da freguesia de Cabana Maior (369 m), transitando por caminhos rurais e calçadas. O tempo ajudou (excepção feita para o porco que estava a ser assado nas ruas da freguesia) e tornou as calçadas acessíveis em grande parte. Nas subidas, com as pedras húmidas, a tracção era fraca e foi preciso desmontar algumas vezes. Trajecto bem conseguido, passando pelos lugares de Portela e Boimo, já nos 524 m e aproximando-nos do Parque Nacional.
O reforço – À saída de Boimo, o trio apresentou as primeiras cãibras. Daqui subimos para a nacional e fizemos um par de quilómetros por asfalto. O aguardado reforço foi servido no Mezio (630 m), com todas as condições, permitindo repor líquidos, proteínas e hidratos de carbono. Pena foi que os afamados javalis do Mezio tenham abalado há anos. Aproximava-se, então, a primeira metade da prova. Quinze minutos bastaram para abastecer e descansar.
A Travanca e mais além – Caminho de sonho se seguiu logo a seguir ao reforço, atapetado com folhas, debaixo de pinheiros e carvalhos. Houve direito a sessão fotográfica por parte do prestigiado operador de imagem Luís Canossa. Barriga cheia e forças recuperadas era vê-los a sorrir para a posteridade. Com alguma dificuldade chegamos às lagoas da Travanca (770 m). Iniciamos então a subida para a Branda de Berzavó, já nos 900 metros. É trilho típico de serra. Piso mau, com muita pedra solta e a roda da frente a prender a cada pedalada. Tudo negociado com muito sacrifício, obrigando a uma paragem no cruzamento para as Lamas de Vez e planalto da Seida. Muita malta parada: alguns sem força, outros simplesmente a desfrutar da paisagem.
Sempre a descer – Na Branda de Berzavó entramos na freguesia de Gondoriz e atingimos o pico da prova, ligeiramente acima dos 900 metros. Baixar-se-ia em breves minutos até aos 483 metros, na zona mais bonita de todo o percurso. Não sendo a descida a minha especialidade procurei seguir na roda dos ciclistas à minha frente e, confiando na mecânica da bike, julgo ter conseguido uma descida aceitável. Ouvi poucas “esquerdas” e “direitas”. É uma descida técnica, com pedra solta, e muito rápida. A pensar na gente do down-hill. A envolvente natural e humana é formidável e fomos brindados com um dia com grande visibilidade. Após a casa do guarda, guinamos à esquerda, passando pelo Couto das Papas. Avista-se o lugar da Lombadinha no outro lado da montanha. A não esquecer! Mais malta a apreciar toda a envolvente natural. Eu e o Filipe com mais cãibras na primeira subidinha que surgiu.
O primeiro anjo a cair em Carralcova – Numa versão menos produzida do anúncio da AXE, embora com modelo mais bonito, registei uma queda, mesmo no final da descida. Num rego, a 50 metros dos três bombeiros que nos assistiam. Caso não saibam é assim que se deve fazer: cai se à beira dos bombeiros. Há gente que tomba no meio da serra e aí só de helicóptero se consegue lá chegar. Dão uma despesa dos diabos e o país está, como sabem, de joelhos.
A subida para Vila Boa – A descida continua agora por asfalto, muito agradável. Obrigam-me então a virar para uma calçada intransitável. Mais 50 metros a descer à mão. Passagem pelos lugares de Cortes (já nos 352 m) e Oussias. Ao longe, do outro lado do rio de Porto Avelar alguém grita: “É sempre a subir!”. E era mesmo. Um desnível de 100 metros até Vila Boa, outra vez na freguesia de Gondoriz. Em asfalto, graças a Deus. Passam das duas da tarde e eu ainda em Vila Boa, o Lavarinhas já em Viana.
A voar para a terrunho natal – Dos 450 m de Vila Boa aos 50 dos Arcos de Valdevez, presentearam-nos com umas descidas rápidas e relativamente seguras. O Filipe está de momento a sofrer das pernas e eu solto-me, desfrutando a descida. Passagem por Selim (Sorria, está a 10 Km) e pela freguesia do Couto, até à reconstruída Ponte Velha, sobre o rio Ázere. Cerca de 30 minutos depois chego. Os filhos e o afilhado à espera. O meu Luís um pouco desiludido, pois pensava que chegava em primeiro lugar. Não cheguei em último.
Alberto Carlos Codeço, dorsal 107