[Crónica] Volta na Expo

Jepas

Super Moderador
Passeio à Expo

Passava-se o mês de Setembro e o grupo tinha combinado uma volta até ao Parque das Nações para rolar. O caminho era o de sempre, estradão paralelo ao ribeiro por meio de hortas. O tempo estava bom, mas já começava a anoitecer mais cedo que o normal do Verão que passara. O ritmo era de passeio, todos seguiam juntos, mas sempre alguém tentava furar e forçar o andamento. Quando o caminho é fácil todos podem ser heróis.

Chegada à antiga Expo, depois de passados uns cruzamentos ei-los de novo em solo neutro. Muito espaço, poucos carros e bikes soltas para todas as voltas possíveis. Começaram a rolar no passadiço junto ao Tejo, o tremer das tábuas anunciava a chegada ao parque e pedia mais velocidade para superar a trepidação.

Embora em grupo cada um seguia nos seus pensamentos. Joli, na sua suspensão total gozava o conforto do seu amortecedor que lhe poupava a coluna, mas que o denunciava na balança. Hippie, cruzava com uma rígida americana com fortes traços de peso pluma, mas ainda com algumas pontas por limar. Man, devido à sua estrutura física nunca arriscava e tinha sempre material se confiança, robusto, simples e com bom gosto.

A passagem da Torre indicava a zona mais comercial, bares e jardins rompiam a paisagem campestre que tinha ficado para trás, estava um dia bom para andar, nem muita gente, nem muito calor. Sempre evitando qualquer conflito com os pedestres, o grupo seguia a bom ritmo serpenteando entre gentes e candeeiros.

No grupo ninguém gosta da planeza que se torna secante, daí o impulso de saltar sempre uns degraus ou fazer uma ou duas rampas para manter o espírito alerta. O Parque tem destas coisas, mas para quem exige mais da sua bicicleta de montanha sabe a pouco. A volta estava a ser calma, demasiado calma para a fama do Parque. Ouviam-se relatos de situações embaraçosas sobretudo para utilizadores mais desprevenidos.

Era hora de regressar, a volta já não trazia nada de novo. O regresso fazia-se no sentido inverso sem grandes novidades, era uma volta igual a tantas outras onde o cansaço só aparecia já mesmo à porta de casa.

No caminho, agora já com menos luz, surge ao fundo um grupo homogéneo de mitras. Cinco ou seis, com ar muito determinado a olharem para as nossas montadas. Estávamos a rolar, daí não vinha grande perigo, contudo o caminho estreitava em várias zonas e facilmente se deram por encurralados. Os rapazes começavam a duvidar da sua sorte, três máquinas que tanto tinham custado a montar podiam estar à beira de trocar de mãos.

Os diálogos nestas ocasiões pouco ajudam, porque os “pedintes” fazem as suas exigências e não esperam negociação. Acrescente-se o facto de virem a pé e cobiçarem ainda mais as rodas alheias que podem poupar os pés e render uns trocos no bairro. Joli foi o primeiro a tentar a fuga, tinha demasiado dinheiro entre as pernas para se deixar roubar por putos que lhe iam vender aquilo uns dias depois por sabe-se lá quanto. Man, na sua imponência ficou em pé à espera, aguardando desenvolvimentos, mas sem nunca ceder na sua posição. Hippie, o homem mais pacato do mundo, não queria confusão, mas o seu amor à rígida não permitia separações bruscas.

Fazia-se noite e à volta só o rio e os reflexos da água, o grupo tinha de fazer algo para manter na sua posse todas as bikes. O mais corajoso dos mitras avançou e tentou agarrar uma das bikes. Foi logo alertado por Man, para largar o que não era seu. Joli e Hippie compreenderam que a coisa ia dar luta. Rapidamente os miúdos começaram numa roda tentando forçar os guiadores mas o grupo não largava. Eis que surge uma ideia luminosa a cada um. Joli andava sempre com elos rápidos na mochila e na véspera havia-se esquecido de tirar a corrente velha de lá. Hippie andava farto de furos e queria andar por força sempre com duas câmaras de DH com líquido anti-furo com quase meio quilo cada às costas. Man era pessoa de muito alimento e não se ficava por uma qualquer bucha, carregava sempre gel e cubos de marmelada consigo.

O crepúsculo encobria as expressões, miúdos e graúdos estavam a ficar nervosos com o impasse e as trocas de mimos começaram. Empurrões, tabefes e frases menos próprias começaram a rasgar o ar da noite. Ninguém se dava por vencido, mas o grupo tinha muitas manhas e estava em vantagem apesar do baixo número.

O cranck que rangera todo o caminho foi facilmente desmontado e o seu par pedaleiro usado como estrela ninja tripla. Ninguém ousa desafiar um pedaleiro afiado por anos de uso cuidado. O espigão de 40 cm saiu facilmente atravessando o aperto rápido. As luvas mantiveram a guarda e os sapatos com pitons e cleats faziam as honras a meia altura. No escuro viu-se o brilho de uma lâmina, mas era o reflexo de um multi-tool novo que não tinha faca, mas ia magoar alguém se certeza, nem que fosse pela sua elevada inércia.

O grupo começava a ficar cansado, os mitras tinham dado luta mas estavam prestes a desistir, apesar de mais, não tinham conseguido nada. Joli conseguira derrubar dois e enquanto se debatia, tinha alcançado a corrente velha e um par de elos rápidos. Em menos de 30 segundos tinha fechado a corrente à volta deles deixando-os imobilizados, se tivesse mais de 112 elos podia ter prendido outro. Hippie tinha usado uma câmara com líquido como hélice e tinha dado muita estalada de ver estrelas. No fim fez uma amarração com nós cegos, coxos e marrecos, eram câmaras baratas, mas muito resistentes e se alguém as rompesse ainda podia ser intoxicado pelo fluído verde. Os dois últimos já estavam quase a desistir de Man, mas este não se ficou e usou o multi-tool para os demover de fugir. Ficaram também presos junto dos outros.

O grupo estava coeso e queria mostrar que tentar fazer mal a alguém não é brincadeira, daí numa ideia brilhante resolveram deixar aos miúdos uma prenda. Depois de juntos e deitados no chão, foram deixados de calças para baixo e traseiro à mostra. Man tinha gel hiper-calórico que foi barrando nas bochechas expostas.

Man disse finalmente:
-- Vamos embora que se faz tarde de deixa aí esses gajos com as formigas pelo cu acima.

Ficção... mas durante quanto tempo...?

Jepas
 

Alf

Active Member
Re: Volta na Expo

:rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl::rotfl:

E fez-se justiça :rotfl:

Ai como eu gostava de fazer uma destas... ai gostava gostava :twisted: :twisted: :twisted:

Demais o texto, parabéns :lol:

Mas qualquer dia acontece alguma coisa má... para o lado "deles"...
 

fg

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Re: Volta na Expo

:D
Bem.... o homem pedala que se farta ! sabe de "bricolage"BTT como poucos ! toca piano ! ........ e descobrimos agora que escreve com grande categoria! :wink:

Só posso fazer o seguinte comentário :
Prá próxima volta contigo, já vou mais descansado... :rotfl: :rotfl: :rotfl: :rotfl: :rotfl:

Grande abraço, amigo Jepas!
 

JorgeSantos

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Re: Volta na Expo

Muito interessante esse teu texto. Desconhecia essa tua faceta de "escritor"
Sendo eu um "amador" da escrita e frequentador de blogs e afins, nunca pensei encontrar algo assim por aqui. Escreveste uma "História Virtual " mas dentro de um contexto actual. O que torna o texto muito valioso.
Gostei :!:

Parabens pela iniciativa.

Josant
 

Bruno Malheiro

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Re: Volta na Expo

Obrigado pelas ideias de defesa,passo muitas vezes nesse trajecto sempre cauteloso mas agora quando os vir saco da corrente e mostro-lhes as bombas de co2 e digo que são granadas :mrgreen:
 

marky27

New Member
Re: Volta na Expo

:cry: fiquei triste por ser ficção! estava a ler e a pensar ao mesmo tempo, tu queres ver que no país com a taxa de criminalidade mais baixa da Europa, os pouquissimos mitras que existem são logo derrotados e exemplarmente humilhados? Mas de facto só pode ser ficção, num país tão seguro como o nosso não há mitras (talvez... ma ilha do Corvo)
 
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