O teste

Nozes

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Este degrau sempre aqui esteve.
Estas pedras estão polidas desde os tempos dos meus bisavós,não foi por mim que se tornaram mais escorregadias ou dispostas de maneira a me dificultar a vida.
Esta descida é o ponto em que sei como me vai correr o resto do dia…não,o resto da semana.Porque não a vou esquecer,e eu sei que ela não me vai esquecer a mim.
Serei capaz?Hoje?Sei lá…quando lá chegar e olhar para ela,ela olhar para mim e fizermos aquele momento de suspense e bluff mútuo,talvez saiba se sou capaz.
Dois degraus,cavados no calcário,salpicado por pedras da mesma pobre origem,gastas como as vidas de quem por aqui passou,são o suficiente para me fazer ferver o sangue.Entre barreiras,um simples S que de simples não tem nada.Não foi simples a sua construção,não é simples a sua conquista.Talvez seja um castelo?
Das dezenas de vezes que aqui passei,talvez tenha conseguido descer tudo montado quase metade…se é Inverno,a zona de saída veste-se com uma fina camada de musgo,mantido convenientemente húmido pelos arbustos que impedem a luz do sol de ali chegar.Não será o sítio ideal para colocar uma roda da frente,virada a uns 45º para a direita,e com a maior parte do peso do conjunto a fazê-la fugir…
Se é Verão,a probabilidade de haver um pequeno tapete de “berlindes”,pequenas pedrinhas roladas,de calcário,faz-me suar mais que na subida que aqui me trouxe.
Mas para chegar a sair daqui,tenho de acertar com A trajectória.Com maiúscula,sim,porque é única.Aqui não há que inventar,as rodas têem obrigatoriamente de passar dentro destes 20 centímetros.Mais para a esquerda e o guiador toca na barreira,na pior altura possível,quando tenho os pés a meio-metro do chão.Mais para a direita,e fico apontado para o lado contrário da curva seguinte,e ao descer o último degrau vou ter de virar a roda da frente quase 90º,enquanto estou tão chegado para trás que é muito difícil de virar o guiador,por pouco que seja.Tudo isto em slow motion,porque a velocidade aqui não ajuda em nada.Já parei a meio algumas vezes,com uma roda em cada degrau,a fazer um track-stand,com os pedais encaixados,a tentar convencer-me que não vou cair.A maior parte delas acabei por descer o resto a pé.
São só alguns metros de um trilho…não,não são só alguns metros de um trilho,estas pedras e esta terra são e serão muito mais.
Foi uma descoberta,há muitos anos,quando explorava esta zona montado num “ferro” com 15 velocidades e travões cantilever.
Foi uma dor de cabeça,quando teimei em descer a primeira vez montado.A 10 kilómetros de casa,sozinho,a hipótese se cair não era de levar de ânimo leve.Mas após inúmeras hesitações,consegui.
Foi sítio para tentar entusiasmar um amigo nestas coisas do btt,esquencendo-me que a sua bike de supermercado,com geometria suicida e travões cantilever,jamais seria um meio de entusiasmar alguém numa descida inclinada e técnica como esta.
Foi (e é) um dos sítios onde tiro mais conclusões sobre geometria,aderência,travagem,mas principalmente sobre mim mesmo.Sou capaz?Tenho medo?Ainda sei quanto,quando e como travar nestas pedras?Será que…?
Desci aqui com 60,80 e 100mm de curso de suspensão.
Desci aqui com cantilevers,v-brakes e discos.
Desci aqui com 23,24,25…sim,já aqui passo há uns tempos!

Hoje consegui.Amanhã,sei lá.
E ainda bem que assim é.
 

KLUCA

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:)

não conduzas nas próximas horas, pois podes não estar em condições de soprar o balão :)

sauuude..só da boa
 

indy

Member
Eu gostei.

No meio das discussões que poluem este fórum sobre os microgramas que se ganham utilizando parafusos de cryptonite ou se o autocolante condiz com o tom da cueca do ciclista, este texto é uma lufada de ar fresco.
 

Nozes

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Obrigado,malta!
Este sítio fica num trilho algo escondido em Póvoa das Mós,a poucos kms de Pernes,que por sua vez fica entre Santarém e Torres Novas.
Se alguém passar aqui por perto terei todo o gosto em partilhar a melhor trajectória ;)
 

Oscarfilipegmbh

New Member
Boas

Eu tambem gostei muito

Esse é um daqueles sitios que depois de se fazer montado se solta um grande grito de alegria.

Este texto e as opiniões do meu amigo Indy são uma lufada de ar fresco :)

Um abraço
 

DEL9JUMBO

Member
Este sim é o espirito do BTT no qual eu me enquadro.
Muito bom esse relato de um simples mas complexo Singletrack.

Abraço e boas pedaladas.

Paulo Freitas
 
numa das vezes que fiz o caminho de santiago tive o prazer de conhecer o sr.Manuel.Um pastor que andava la pela serra da Labruja com umas 6ou 7 cabrinhas estava nos meus limites a tentar fazer em cima da bicicleta,com o peso dos alforges,com o cansaço da viagem nao era facil.Entao de repente a voz-Ho amigo nao faça o caminho deixe que o caminho o faça a si-eu procurei donde vinha a voz la estava o senhor sentado com o seu rebanho em volta e logico que parei para falar com senhor,podem querer que tive uma comversa com o senhor que durou algumas horas,nem dei pelo tempo passar.Quando dei por mim eram umas 7 da tarde e eu tinha como objctivo chegar a valença.pensei ja e tarde vou ficar em Rubiaes.,disse ao senhor que tinha que seguir o caminho.Ele disse-me para o seguir pois essa noite tinha dormida e comida em casa dele,eu la o segui a casa dele ficava perto do caminho e ate perto do albergue.Mais uma vez lhe preguntei se nao lhe teria transtorno pois o albergue era ja ali,ele so me respondeu-Um bom peregrino nunca rejeita o poiso que lhe e oferecido-toma la 2-o.A casa era pobre,muinto pobre mesmo,a senhora muinto simpatica,comi la a melhor sopa da minha vida,era alias a unica refeiçao deles mas que me deixou farto.mais uma vez estivemos na comversa ate as tantas e eu maravilhado com as historias que ele contava.chegou a hora de dormir e dormi muinto bem mesmo.de manha tinha um bom pequeno-almoço a minha espera.chegou a hora de partir qauis dar algum dinheiro ao senhor por tao boa hospitalidade,diz-me ele-Nao queremos o teu dinheiro,segue o teu caminho,quando chegares a Santiago diz-lhe para se lembrar de nos.
o caminho começou a ter outro sentido.

alguns anos depois ao lera tua cronica mais uma vez me veio a memoria aquela frase _NAO FAÇAS O CAMINHO DEIXA QUE O CAMINHO TE FAÇA A TI.

UM ABRAÇO ZE MANEL FIGUEIREDO
 

Nozes

Active Member
Ainda bem que o meu texto te trouxe boas memórias,Zé... sem dúvida que essa frase é de grande sabedoria!

Boas pedaladas!
 
Olá Nozes realmente troxe-me boas memórias,importante no btt e saber respeitar a natureza e o que ela tem para nos dar,esta tua história também tem muinto para ensinar.
um abraço-ZE MANEL FIGUEIREDO
 

rucaf3

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Nozes !!! Parabéns... Um texto simplesmente fantástico, de uma sensibilidade e respeito extrema pelo que foi e o que é, o antes e o depois... Bravo, continua ...


Eu gostei.

No meio das discussões que poluem este fórum sobre os microgramas que se ganham utilizando parafusos de cryptonite ou se o autocolante condiz com o tom da cueca do ciclista, este texto é uma lufada de ar fresco.

Indy!! Espectáculo tbm amigo :)
 

Rui Marçal

New Member
Gostei,

Muitas vezes acontece-me o mesmo...algo que não se fez e fica aqui a moer...E queremos fazer não é para o público ver, é só para Nós vermos, para sorrirmos ou até gritarmos como se de um orgasmo se tratasse.

Eu, não sou como Tu.

Tu arriscas mais...

Os teus objetivos são mais altos que os meus...

Os meus 39 anos nestas alturas pensam mais nos riscos e basta isso para a maior cagada de degraus não se ultrapassar.

Quando é que fazemos os nossos maiores feitos no BTT? Quando seguimos na roda do colega e ele passou e Nós nem pensamos, fomos a trás e correu bem, não houve tempo de pensar, só de agir...

Tenho ao pé da minha casa, a 1km de distância uma coisa dessas. Só o fiz uma vez montado, nem é muito difícil, mas lá está, bloqueia um bocado. Depois aquela dificuldade varia ao longo do ano, tal como a tua.

De inverno tem lama, até nem é mau. O pior é no verão, uma terra muito dura, muito escorregadia. O melhor é quando está ligeiramente húmido...Por acaso foi feita no final do verão, quando se apresentava pior, se calhar devia ter ido logo para trás e ter feito vezes sem conta para vencer o medo, mas não. Fiz, dei-me por feliz e segui viagem a pensar que o fantasma se tinha ido embora de vez...Enganei-me...

Ele voltou, com menos intensidade, mas voltou. já lá passei mais 2 vezes e foi à mão...Um dia destes volto a fazê-la, um dia destes...
 

JFML

Member
Onde está o botão para se fazer um like ao texto do amigo Nozes?!?!?
Espectáculo de texto, só tenho pena de o ver agora...
 

ny12xx

Super Moderador
Companheiro Nozes

Está aqui esta pérola à dois anos e meio e eu ainda não lhe tinha posto a vista em cima.

Excelente texto, excelente espírito, excelente tudo!

Um abraço

ny12xx

(não mencionaste se alguma vez foste ao chão)
 
Boas! Partilho deste btt: tentar subir ao máximo a Labruja, Albergaria, Oseira , ou descer a Lousã onde já fiz 2 "amaragens" No domingo passado tive numa festa de btt no Rio Mondego, na saída do local uma parede que tentei fazer no tandem com a minha "tremoceira" mas "morremos" mesmo no cimo, tendo eu dado um berro... que todo vale do Mondego ouviu!!!
Forte(105kg)abraço!
 

abelha2

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Por cá tambem tenho uma assim.

Uma descida que o percurso inicial para lá chegar é uma subida que até vejo estelas (raramente a faço sem ser uma parte à mão).

Depois vem o inicio da descida, muito inclinada, com areias, e calhaus soltos, em que a trajectória ideal varia de dia para dia, pois as pedras vão mudando de sitio.

Da primeira vez que lá passei levei a bicla à mão, e adivinhem malhei....escorreguei e desci aquilo a fazer Skcu. O meu companheiro disse-me "fod*-se se é pa caír, cai à homem em cima da bike"

A partir daí fiz sempre essa descida montado, já de 2x a bicicleta caiu, mas eu la me mantive em pé, mas adora aquela sensação de perder quase completamente o controlo da bike, e deixar-me ir tentando apenas desviar-me dos calhaus maiores, já que não da para mais, pois a minha maravilhosa suspensão na descida já vai a bater no fundo lol.
 

Medroso#78

Active Member
Boas caros camaradas do pedal :)


....Também li estas crónicas e gostei. Creio que todos nós já sentimos algo identico. Mas faltou-nos o dom da palavra para passar tal sentimento para "o papél". Muito obrigado pela partilha amigos "Nozes" (José Figueiredo, Rui Marçal e abelha2).

Por vezes esquecemo-nos que são "coisas" tão simples como estas que tornam a nossa vida (BTT) tão "fixe"!! :D
 
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