Cá vai a 3º etapa, acho que a mais atribulada para mim:
Dia 3: Alfaiates – Ladoeiro: 111 km
Zoom 800 metros = Corta-mato
Depois de mais um dia a deitar tarde, voltar a acordar bem cedo. As partidas eram só às 10:00 e a etapa curta, mas ainda havia 30 minutos para fazer de carro do Sabugal até Alfaiates.
Como não ia a conduzir, fui ligando os trackers durante o caminho para estarem prontos. Ainda bem que o fiz, pois cheguei a Alfaiates mesmo em cima da hora. A mesma rotina de sempre e um pouco depois das 10 arranquei, depois de acabar de preparar tudo. Pedalei logo depressa, para apanhar o Evgeniy, não fosse ele perder-se…
Olhando para a altimetria o principio da etapa parece demolidor, com uma grande subida. Mas na realidade é fácil, a subida ao início é muito suave, permitindo aquecer o corpo para a parte mais inclinada. Mas como o piso é bom rapidamente se chega à descida para Fóios.
E foi mesmo antes da descida para Fóios que começaram os meus problemas com o Evgeniy. Como ele fez a subida a pé, eu ia pedalando de sombra para sombra. Pedalava, ele passava por mim, pedalava e passava por ele. Quase no topo da subida parei numa sombra. O Evgeniy passou por mim e quando o deixei de ver na curva a seguir avancei.
Não o vi quando cheguei à curva, mas como aí o terreno ficava plano pensei que ele já estava para a frente. Havia uma pequena descida e voltava a subir até onde começava a grande descida. Achei estranho não ver o Evgeniy, será que ele ligou o turbo? Eu estava cheio de sono, será que adormeci uns minutos e não dei por isso?
Esperei uns momentos e como o Evgeniy não apareceu e eu não o tinha visto parado de certeza já estava para a frente. Cheguei ao CP mas não estava lá ninguém, tinham montado o “estaminé” uns metros à frente. Neste CP estavam a Marta e a Ana e quando me perguntaram pelo Evgeniy eu passei-me. Como foi possível ele perder-se, eu só o tinha perdido de vista alguns segundos.
Ele tinha o tracker, mas lá em cima não havia rede, eu tinha tentado ligar para elas quando o perdi de vista. Fiquei no CP e elas foram fazer o percurso de carro, pois o caminho de terra é bom. Voltaram e nada de Evgeniy. Fui eu de bicicleta dar umas voltas por Fóios, ver na fonte e nos cafés, mas nada.
Falámos com a base, disseram para eu avançar pois havia pessoas caídas na Malcata, ia entrar o jipe do percurso para os resgatar. Com tudo isto o Vladimir já tinha passado há 45 minutos no CP.
Malcata: Record batido, também quero bonificação !
Fiz a Malcata o mais depressa que pude, mas com cuidado, pois em muitos locais não havia rede, estava sozinho e já tinham havido quedas mais que suficientes. Aproveitei um local com rede para ligar para a Marta a saber do Evgeniy. Ele já tinha aparecido, tinha o zoom do GPS a 800 metros, foi para outro caminho e em vez de voltar para trás por esse caminho fez corta-mato pelo meio da vegetação, demorando muito tempo…
Quase no final da Malcata encontro por fim o Vladimir. Tinha andado bem depressa, acho que se não o tivesse apanhado tinha ficado no grupo dos 10 mais rápidos que têm bonificação de tempo. *
O CP era no fim da Malcata, na EN569. Felizmente os atletas que tinham caído já tinham sido socorridos, o Pedro Pinheiro e o João Marques, que ainda consegui chegar ao fim da etapa mas tinha o braço partido, sendo também obrigado a desistir.
Serra do Ramiro, local de meditação
O dia estava quente e a parte seguinte da etapa ia ser bem complicada. Sugeri ao Vladimir que fosse de carro até Monsanto, pois já não ia conseguir passar o CP de lá e esta parte era difícil. Ele aceitou e fez uma boa opção, pois a zona da serra do Ramiro foi onde apanhei mais calor de toda a Transportugal, 36 ºC.
Logo após passar o CP encontro no trajecto o José Vaz em sentido contrário. Estava à procura de um atleta que tinha partido o desviador e rebentado um pneu. Eu ainda não o tinha visto pelo que segui para ver se ele estava para a frente. Estava um pouco mais à frente, um bocado desorientado, pois tentei explicar-lhe onde se encontrar com o José Vaz e vi no GPS que se tinha enganado várias vezes naquela zona.
Continuei a tentar apanhar o João Baptista, que não tinha passado no CP muito antes de mim. Mas fui com calma, estava calor, esta parte do percurso tem um piso muito degradado e tinha abusado na Malcata. A paisagem também é demolidora em termos psicológicos. Vemos que ainda temos de descer mais, pela nossa frente está a serra do Ramiro e não há nenhum local onde se possa subir que não se pareça com um corta-fogo! Haverá por aqui um túnel?
Após alguns desvios para a direita e para a esquerda, finalmente começa a subida…que não é mais que uma grande parede recta, com um piso razoável mas sem sombra além de uns pinheiros pré-adolescentes. Não é complicada de subir, falta é inventarem bicicletas com ar condicionado! Desmontei logo no início mas mesmo assim tive de parar 2 vezes à sombra para pensar na vida e no que estava ali a fazer!
Quando acabei a subida estava lá o João Baptista, sentado no chão, num momento de meditação! Disse-lhe que ainda íamos a tempo de passar o CP em Monsanto e arrancámos. A subida grande já tinha acabado, mas depois de andar um pouco em plano e descer ainda havia mais uns brindes escondidos!
Feita a grande descida começamos a aproximação a Monsanto. É uma parte do percurso plana, muito rápida e com bom piso, onde se vê muita sinalização de rotas pedestres, incluindo a GR22, a Rota das Aldeias Históricas. Mas nunca se perde de vista Monsanto, lá em cima do monte.
No local onde se começa a subida da calçada de Monsanto estava a Jacqueline, com cara que tinha sido metida dentro de um forno. Perguntei-lhe se queria desistir, ela disse que sim e chamei a carrinha, que estava por perto. O João Baptista ainda começou a subir a calçada, mas voltou para trás pois já não se estava a sentir muito bem.
A meio da calçada recebo uma chamada do António Malvar, o tracker da Kate Pruzack indicava que ela ainda estava na Serra do Ramiro! Eu não a tinha visto e já estava bem longe, por isso já nada podia fazer. Felizmente o tracker deve ter apanhado muito sol, um pouco mais à frente, já dentro de Monsanto, encontrei a Kate!
Como o CP já estava fechado ela ficou aí. Eu continuei, na companhia do Carlos Rego (o motard). O plano era o ir de bicicleta até Idanha-a-Velha e apanhar boleia do António Malvar até Alcafozes, onde estava o ultimo CP. De Idanha-a-Velha ao CP o fecho seria feito de mota, pois já havia uma grande distância de mim até ao último participante ainda em prova.
E na descida de Monsanto que inveja tive eu de não ter uma mota! Aqueles calhaus todos pareciam umas pedritas, engolidas por aqueles pneus e suspensões XXL! Fui com cuidado, pois ali um erro pode ser perigoso. Felizmente o percurso depois era quase sempre a descer, o Carlos Rego não teve que secar muito atrás de mim!
Atrás do vento...vem o homem da marreta
Cheguei a Alcafozes com o CP quase a fechar e quando estava muita gente a passar. O Maurício estava a aconselhar toda a gente a ficar por aí, pois já não iam ter tempo de chegar ao fim e estava-se a levantar um vendaval! Houve quem seguisse os seus conselhos e houve quem quisesse continuar.
Quem já chegou fora do controlo foi o Mário Pedro Soares, que já fez todas as Transportugal excepto a primeira. Ficou chateado com isso, pois nas anotações dele tinha uma hora de fecho do CP que retirou do Race Pack que tinha sido alterada este ano. Ele tinha estado parado num café, podia ter passado a tempo facilmente…
Mas ele mesmo assim quis continuar, fui com ele e juntou-se a nós o Doutschan Jamra. Fomos devagar, pois mesmo a descer era preciso pedalar, o vento estava muito forte. Na Sra. do Almurtão parámos no café e telefonou-me o António Queiroz a dizer que tinha passado mais uma pessoa no CP e não quis parar, o Oliver Thirlwall. Fiquei à espera dele com o Carlos Rego, que entretanto já tinha chegado.
O vento estava muito forte e o Oliver tentou ir colado à mota, pois não me tinha visto. Eu disse-lhe para se colar a mim e fui a reboca-lo até ao cruzamento com a estrada N353. Aqui estava o António Queiroz e felizmente o Oliver resolveu entrar na carrinha quando lhe disseram que ainda tinha 2 horas pela frente, por causa do vento.
Para a frente já estava o Doutschan, o Mário Pedro e o Vladimir, que também tinha parado no café. Eles iam por estrada, disse ao Vladimir para ir sempre com eles, mas como tinha o pneu com um furo lento perdeu-os e entrou no trilho.
Eu pensei que ele tinha ido pelo alcatrão e estava a fazer o resto do percurso a abrir, ia junto com o Carlos Rego. Foi grande o meu espanto quando vi o Vladimir e percebi que iria ter de fazer os últimos quilómetros bem devagar. Ainda por cima ele tinha o furo lento e teve de parar para encher 3 ou 4 vezes…
Felizmente este troço foi alterado em relação ao ano passado, estava mais directo e fácil. O Carlos Rêgo seguiu por estrada, pois havia portões estreitos que ele não conseguia passar. E lá fui eu devagar, devagarinho, atrás o Vladimir. Ainda por cima passa-se perto do hotel, pelas traseiras, mas é preciso ir dar uma volta de vários quilómetros, pois por aqui os caminhos estão todos vedados.
Quando finalmente cheguei ao hotel estava a Marta na meta com um prato de comida à minha espera! Que bem me souberam aquelas batatas, estava cheio de fome e farto de tantas horas em cima da bicicleta. Foi o dia que cheguei mais cansado, pois fiz quase metade da etapa sozinho, a forçar, e a outra metade muito devagar, atrás dos empenados!
Andei lá pelo hotel um bocado zombie, mas depois de recuperar a energia fui tratar da bicicleta. Estava a perder ar pelo pipo da roda da frente, pedi ao José Carlos para o trocar. Depois de ele fazer isso descobriu um espinho espetado no pneu. Algum dos mecânicos o tirou e o ar saiu todo. Estava cansado demais para meter um remendo, eles meteram “nhanha verde” lá para dentro. O furo fechou, mas eu fiquei cheio de medo de no dia seguinte ela começar a sair lá de dentro e eu ficar verde!
Quem estava muito pior que eu era o Doutschan. Ele tinha vindo por estrado com o Mário Pedro, mas já chegaram muito depois de mim, pois o homem da marreta fez um serviço completo. Quando chegou o Doutschan não sabia o nome, não falava, estava um zombie completo. Foram mete-lo na banheira com gelo e aos poucos ele recuperou e veio jantar mais tarde, mas não estava em condições de fazer a etapa do dia seguinte.
Eu tentei não deitar-me muito tarde, aproveitando que era a primeira vez que dormia no local da partida. Mas há sempre isto e mais aquilo para fazer, acabei por não conseguir.
* Neste ano havia um troço por etapa que era cronometrado, entre 2 CP. Os melhores 10 atletas nesses sectores tinham uma bonificação de tempo, que variava entre 12 minutos para o primeiro e 1 minuto para o décimo.