[Crónica] Rota dos Garimpeiros

indy

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PRÓLOGO
À noite, em frente à lareira, com a chuva a cair lá fora, perscrutava cartas militares e deslizava sobre o Google Earth. Ponto a ponto um track de GPS ia surgindo no monitor do portátil enquanto na minha imaginação se materializavam os trilhos.
-”Huuummm... 80km neste relevo? Este fica para a Primavera...” - e passava para outra carta, outra região.
Várias tentativas depois, ali estava ele: apenas 40km, sem aparentes dificuldades extremas, ideais para estes dias pequenos e para alguém em evidente baixa de forma. Algumas fotos encontradas no Panoramio prometiam caminhos pintados com as cores do Outono e densos bosques de coníferas. Estava ansioso pelas cores do Outono!

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O DIA
Às 9:00 em ponto o velho Uno do Plus, connosco lá dentro, contornava o perímetro urbano de Vila Pouca de Aguiar quando o meu telemóvel toca. O Major já tinha chegado. Mesmo com aquele cinzento do céu a não augurar nada de bom, é bom saber que há pessoas em quem podemos confiar. Apenas tinha havido uma fugaz troca de e-mails a meio da semana para combinar a hora do encontro, sem mais confirmações, e ali estava ele à nossa espera. Não foi difícil encontra-lo, bastou seguir as indicações para o Lar de Idosos.

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Começámos a pedalar. Os primeiros kms de aquecimento iam ser efectuados naquilo havia escutado algures ser agora uma ciclovia, pois na carta militar ainda estava assinalada como linha de caminho de ferro. Nem à dita ciclovia tínhamos chegado já o Plus encostava à berma e sacava da chave 14/15. Parece que o Alfine que decidira vir utilizar neste percurso “sem dificuldades de maior” não estava a querer colaborar. Escusado será dizer que o nosso Major, um conservador da velha guarda, assistia ao acontecimento com uma aristocrática sobrancelha erguida.

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Não que considere que possua esqueletos no armário mas, pelo sim pelo não, convirá tomar uma nota mental para ter atenção acrescida ao comportamento em locais remotos onde, supostamente, a nossa identidade seria ignorada. Mais uma vez, estando nós ali parados na beira da estrada, distantes de casa, alguém meteu conversa connosco e nos reconheceu. Bom, na verdade também reconhecemos um deles: tratava-se do Vitor, acompanhado de mais dois dos seus amigos de Tourencinho. Apesar de nunca nos termos encontrado pessoalmente, guardo boas recordações de alguns trilhos da sua co-autoria.

Como não tinham planos definidos para a sua volta matinal de Domingo resolveram acompanhar-nos. A entrada nos trilhos coincidiu com as primeiras dificuldades ascendentes. Nada que levasse ao desespero, nem lá perto. Tirando umas centenas de metros iniciais mais duras, a restante subida foi-se desenrolando com relativa facilidade, proporcionando-nos a possibilidade de apreciar a beleza do vale à nossa esquerda.

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Atingido o planalto de Tinhela fomos percorrendo trilhos variados. As cores do Outono, patrocinadas por castanheiros e outras árvores que não sei identificar, eram companhia constante.

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Depois de Vilarelho a primeira dúvida no track. Afinal o caminho, discreto, estava lá. Um ligeiro rebuçado técnico descendo para um pequeno vale cuja travessia provocou, durante alguns metros, o primeiro carregar das bicicletas às costas. A saída do vale deu-se por um simpático carreiro pelo meio do pinhal.

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Sendo esta, desde os tempos antigos, uma região de minas de ouro e prata, o Major tinha publicitado o desejo de encontrar uma pepita que lhe proporcionasse a merecida reforma. Com os olhos injectados de cobiça dirigimo-nos então ao local donde os Romanos extraiam o precioso minério. Três gigantescas crateras a céu aberto era o que restava. Do vil metal, nem vestígios. Uma placa proporcionava-nos algumas informações históricas. Ficámos a saber que tudo o que era extraído daquelas minas servia para pagar os impostos devidos ao Império Romano. Aqui nada de novo, ontem como hoje o fisco acaba por levar tudo.

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Metade do dia já estava quase cumprida e assim despedimo-nos dos nossos anfitriões de ocasião, que encetaram o regresso ao aconchego do lar. Nós continuámos a nossa jornada e a próxima aldeia que encontrámos foi Tresmina (Tresmina... Três Minas, perceberam? - private joke). Perante um olhar curioso duma habitante, que quis saber a nossa proveniência, sentamo-nos num banco de pedra no centro da localidade, frente a um cruzeiro cujo terreno para a implantação a junta de freguesia agradecia publicamente a um qualquer benemérito, onde desfrutámos do parco merendeiro que transportávamos na mochila.

Não querendo melindrar o autor do percurso, o Major usou de toda a sua gentileza, apurada em anos de educação cuidada, para nos dar a entender que trazia com ele mais alguns kms de trajecto extra, cuja proveniência já não recordava, e que, se assim concordássemos e porque a hora ainda não era tardia, podiam ser realizados, voltando a apanhar o percurso original mais à frente. E porque não? Vamos lá!

Pouco depois descíamos um inclinado caminho, recentemente empedrado, que nos levava a grande velocidade para as entranhas dum vale ladeado por escarpadas encostas de aspecto imponente. Numa paragem a meio da descida para apreciar a paisagem, observa o Plus: "E se isto não tem saída? Empalamos o Major antes de iniciar a subida de volta!"

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Chegámos ao fundo, onde vivia um ribeiro de caudal vivo (Rio de Curros). O caminho terminava junto a uma construção aparentemente utilizada para a produção de energia eléctrica... ou outra qualquer função. O Major olhava indeciso, alternadamente, para o GPS e para o terreno à sua volta. supostamente deveríamos continuar em frente mas não havia caminho, pelo menos naquela margem do rio. Na outra... talvez, mas a vegetação alta não nos dava certezas. Descobrimos uns metros a montante umas fitas que pareciam marcar o local duma travessia a vau. Depois de alguma discussão sobre os benefícios de mergulhar os pés naquela água gelada, lá nos decidimos a descalçar e tomar a primeira inoculação contra o virus da gripe A. A verdade é que, no contacto inicial, atendendo à temperatura que se fazia sentir cá fora, o contacto com a água nem causou assim grande choque.

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Ao longo da outra margem lá encontrámos algo que se assemelhava a um carreiro, basicamente ervas um pouco mais pisadas do que as que as rodeavam. Mas, como é sabido, a vacina da referida gripe precisa de duas inoculações e assim, umas centenas de metros à frente, lá tivemos de regressar de novo à margem original.

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Depois de tanto nos enterrarmos era previsível que iríamos penar para regressar de novo lá acima. E não nos enganámos. Mas quem mais penou foi o Plus. É que puxar o Alfine por aquelas encostas acima...

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Com o Major a tentar distrair-nos, explicando-nos a forma mais eficaz de extrair o timo a um rato, lá atingimos de novo o planalto. Os chuviscos desde manhã que nos visitavam com frequência. A Norte, para onde nos dirigíamos, nuvens negras auguravam um agravamento das condições.

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Seguíamos de novo o percurso original e estávamos agora na região de Jales, conhecida pelas suas minas que estiveram em exploração até aos anos 90. Os trilhos continuavam a ser de grande beleza.

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Algumas centenas de metros de trilho pantanoso ajudaram o Alfine, mais uma vez, a delapidar as energias do Plus. Até o Bobby demonstrou compaixão por ele.

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Já afastados da última aldeia que havíamos cruzado, descendo a boa velocidade em direcção a um vale eis que somos surpreendidos, no meio do nada, com a visão insólita... dum parque infantil??!! Consideramos que o criador (ou a junta de freguesia, com o patrocínio dum qualquer organismo europeu...) não coloca as coisas no nosso caminho por acaso. Há que desfrutar!

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Uma derradeira elevação de aspecto imponente separava-nos agora do regresso ao ponto de partida. Havia que ascender durante uns kms para depois a contornar pela vertente este. Ao longe ouvimos uivar. Perguntei ao Plus se havia lobos por aquela zona. Munido da segurança transmitida pela chave 14/15, não pareceu muito preocupado. Na verdade considerava mais perigoso o outro Lobo que pedalava uns metros à nossa frente.

Atingido o apogeu da escalada havia que descer durante algumas centenas de metros através dum trilho traiçoeiro. Vencida essa dificuldade, afiançava eu, iludido pela segurança que me transmitiam as cartas e o Google que a partir dali devíamos encontrar alguns kms de trilho essencialmente rolante a meia-encosta. Afinal o trilho real não estava tão limpo como aparentava no mundo digital...

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...e algumas centenas de metros mais à frente ficou completamente fechado. Tentámos avançar pelo meio da vegetação que invadira o trilho mas às tantas já nem os pés conseguíamos assentar no solo firme.

A situação era preocupante. Com o céu carregado em breve deixaria de haver luz. Sabíamos por experiência própria que avançar 200m que fosse, carregados com bicicletas, pelo meio daquele tipo de vegetação poderia demorar muito, muito tempo... e não sabíamos o que nos esperava. Conferenciámos. Fosse o que fosse que decidíssemos, havia que o decidir depressa. E assim foi. Felizmente que optámos, com inteligência (confirmámo-lo depois), pelo caminho mais longo (voltar para trás) mas também mais seguro, contornando o monte pela vertente oposta.

O dia aproximava-se do fim, a chuva caía com mais intensidade, a temperatura baixara ainda mais. Por momentos pensei que poderia começar a nevar a qualquer momento. Decidimos assim procurar a N212 e regressar directo para Vila Pouca. Por nós passavam carros com os vidros fechados e, lá dentro, pessoas de gola levantada e gorro na cabeça. Cheguei a sentir-me deslocado no meu calção de lycra...

Durante a descida, ao atravessar o denso bosque que povoa a encosta, senti um amargo de boca por estar a descer aquilo tudo por estrada em vez de o fazer pelo trilho que estava planeado. Enfim, outras oportunidades surgirão.

Esfomeados (pelo menos eu não tinha levado mantimentos a contar com os kms extra) e gelados encontrámos finalmente o conforto dos carros.

No regresso concordava com o Plus que, apesar de simples, este terá sido talvez o passeio que mais nos "encheu a alma" este ano.

Pela parte que me toca, foi apenas ontem mas já estou com saudades.
 

Oscarfilipegmbh

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Estou muito triste por ter de trabalhar neste fantastico dia que foi para voces .

Mas por mim pode-mos ir já lá este sabado fazer a descida final que ficou por fazer :D

Um abraço
 

350plus

New Member
Foi um passeio que demorou a fazer a transição dos emails até aos trilhos. Sofreu adiamentos sobre adiamentos, fruto do infeliz posicionamento do anti-ciclone dos Açores que tanta chuva nos tem trazido. Não é que não gostemos de pedalar sob ela, mas se tivermos escolha... escolhemos dela fugir.

O plano era algo na casa dos quarenta e tais quilómetros. Ritmo pausado, sem grandes complicações. O acumulado não seria terrível. Decidi então levar a minha bicicleta mais bruta, a velha BH com mudanças de cubo Alfine. Prezada pela fiabilidade e um meio caminho entre a polivalente FS multispeed e a espartana SS ultra-leve pareceu-me uma opção lógica.

O inicio do percurso foi bastante pontual. Pouco depois da nove da manhã já atravessávamos o centro de Vila Pouca de Aguiar, rumando à ciclovia. No entanto não chegamos lá sem eu antes perder as mudanças todas. Quando comuniquei aos meu companheiros tal facto fui castigado com inúmeros impropérios sobre o uso de aparelhos "experimentais" em voltas de exploração sem apoio. Nas cabeças deles já imaginavam molas e parafusos espalhados pelo trilho, óleo escorrendo pelo solo como sangue derramado. O caso não era esse. Uma análise rápida indicou-me que tinha apertado insuficientemente o anel que mantém o mecanismo de actuação das mudanças coeso.

Foi graças ao reaperto deste anel que arranjamos companhia local. Enquanto eu manuseava porcas e chaves inglesas, três intrigados locais rapidamente reconheceram o indivíduo com o bigode mais carismático do mundo do BTT português .Após curta conversa aperceberam-se que tinham encontrado um lobo e um índio no quintal sua própria casa. Aproveitaram esta oportunidade para nos acompanhar um pouco.

Finda a apressada reparação, começou a primeira subida. Dura e lamacenta, torcendo-se ao longo das encostas que abraçam Vila Pouca de Aguiar. A chuva miúda foi companheira constante, recobrindo homens e máquinas com uma fina camada de gotas de água. Essa humidade fazia o Indy preocupar-se com a sua recentemente comprada máquina fotográfica digital. Seria sensato andar com ela apenas na bolsa? Talvez colocar na mochila? Hesitou entre entre as várias hipóteses até chegar a um prático compromisso: -Enrolar a bolsa com um saco plástico de supermercado. Simples e eficaz. A propósito da engenhosa solução, discutiu-se a natureza dos sacos plásticos como heróis escondidos das grandes travessias e aventuras épicas em duas rodas. Não há expedição que não os use como complemento aos caros sacos de fibras sintéticas e acabamentos repelentes à agua de alta tecnologia.

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Não chegamos ao topo da subida sem a minha transmissão voltar a ficar sem mudanças. Isto de reparações à pressa e com muita gente a olhar não é facil. Compreendo agora a necessidade de isolamento meditativo do Indy, patente quando é assolado por azares mecânicos inesperados. Novamente não rodei o anel de fixação até à sua posição final e como um pássaro que encontra a porta da gaiola aberta, ele resolveu voltar à liberdade. Mais uma curta reparação, desta vez com a atenção devida à posição final do anel. Garanti ao resto da trupe que não haveriam mais problemas, mas percebi que eles anda me auguravam um futuro de inevitável catástrofe mecânica, talvez castigo divino dos deuses do BTT pela ousadia de abandonar o sagrado paralelogramo desviante.

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No alto do planalto, seguimos de forma célere e rolante. Ora subindo ligeiramente, ora descendo um pouco mais depressa, deslizávamos por um percurso de bom piso, ladeados por belas paisagens florestais, dominadas por pinhais e ladeadas com viçosa erva. A erva era de um verde brilhante, certamente alimentado pelas incessantes chuvas deste mês.

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Estava fascinado com a constante faixa verde que nos rodeava. Fora dos sagrados parques naturais não é muito comum fazer dezenas de quilómetros em trilho sem aparecer nenhuma mancha visual que quebre a perfeição da natureza rural. Nenhuma urbanização ou rotunda. Nenhum condomínio fechado nem campo de golfe. Apenas verde, campos e aldeamentos presos no tempo.

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Os bons caminhos de terra batida foram interrompidos por um pequeno singletrack técnico. Pontuado por raízes e lascas de xisto cobertas de musgo e humidade proporcionou um pouco de adrenalina, contrastando com a paz mental que nos era induzida pela paisagem.

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Seguiu-se uma subida inclinada feita à mão que nos depositou num denso e belo pinhal. Todos o atravessamos apreciando as intrincadas paredes formadas pela malha de troncos de coníferas. Sujeitas ao peso das suas copas molhadas, as árvores curvavam-se suavemente formando uma abóbada, a peça final desta espécie de catedral natural, onde o vento fornecia a coro musical.

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Dirigiamo-nos agora ao complexo histórico de Tresminas para contemplar a marca indelével e milenar da exploração do mais desejado dos metais. O acesso fez-se por uma bucólica estrada, rodeada por uma infinidade de prados. Nesses prados cresciam fortes e numerosos os cogumelos que são uma especialidade local. Explicaram-me que dão um belo alimento, depois de devidamente preparados e bem assados.

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O complexo de minas impressiona pela dimensão. Profundas crateras, ladeadas de rasgadas encostas, forçam automaticamente a mente a questionar-se sobre o trabalho manual que foi requerido para tamanha modificação da crosta terrestre. As imagens falam por si, mas uma visita ao local é altamente aconselhada para correctamente absorver o impacto da paisagem. Se dantes a preciosidade era o ouro, hoje é a paisagem, única e histórica. Um valor escondido do turismo histórico português.

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Finda a visita às minas separámos-nos dos nosso anfitriões de ocasião. Tentaram-nos oferecer o seu telefone para serem úteis num eventual resgate caso a nossa volta restante esbarrasse em alguma dificuldade imprevista. O Indy recusou de forma pronta, mas simpática, confiante na solidez do seu percurso original.

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Abandonamos as minas, descendo a alta velocidade por uma sequência de caminhos florestais bem conservados. Novamente envolvidos na beleza da paisagem, foi com aparente rapidez que chegamos ao local da pausa para almoço.

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Foi aqui que se decidiu, por sugestão do Major, acrescentar ao percurso um número desconhecido de quilómetros, por caminhos com qualidade de piso e altimetria desconhecidos. O Indy certamente que insultaria qualquer outro que fizesse tal sugestão, mas por reverência à personalidade e com alguma inusitada descontracção, acedeu ao pedido do matreiro Lobo. Sim, suspeitei da natureza da alteração, mas alinhei de bom grado. Previsivelmente, o que se seguiu foi a secção mais verticalmente intensa do percurso. Uma descida prodigiosamente enrolada sobre si mesma deixou-nos numa pequena estação hidro-eléctrica, sem vista de saída possível.

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Mas o track era rei. Havia que cruzar o rio de razoável dimensão que rasgava o vale. Encarei a ideia com elevado cepticismo, a água estaria glaciarmente gelada, mas a alternativa de subir pelo mesmo sítio por onde descemos era igualmente nefasta. Lá me convenci a meter os sapatos à volta do pescoço e acompanhar os gurus descalços na travessia do rio purificador. E não foi assim tão mau. Como diz o Indy, estava tanto frio fora de água como dentro. Uma questão de diferenciais reduzidos tornou a coisa minimamente suportável.

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Fazendo uns curtos metros na outra margem, fomos confrontados com a necessidade de ter que atravessar o mesmo rio outra vez para seguir o track, desta feita numa parte ainda mais funda e com mais forte corrente. Enfim, acho que nenhum de nós ficou verdadeiramente surpreendido com o desenrolar dos acontecimentos. Já andamos nisto tempo suficiente para saber que a lei de Murphy também se aplica no BTT. Se estás no fundo, agarra-te bem porque isto ainda vai piorar.

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Segunda travessia feita, seguiu-se uma extensa e inclinada subida, pontuada por algumas secções de piso mole. Confesso que invejei a rotativa pedalada 22-32 dos meus colegas enquanto esmagava o duro 32-38 que o Alfine apenas me podia dar. Nada de impossível, mas era certo que estava a consumir as minhas preciosas reservas anaeróbicas apenas para os acompanhar.

Um ligeiro erro de navegação atrasou o início de descida e regresso ao percurso original. Tínhamos falhado uma viragem para um carreiro de espartano piso, revestido a calhaus húmidos. Uma pequena anomalia, contrastando com o típico piso de boa qualidade desta zona.

Descemos então até ao agrupamento de aldeias de Jales, onde nos esperavam algumas subidas lamacentas que me retiraram gradualmente a energia. Novamente, a minha opção de mudanças pesadas estava-me a tornar difícil acompanhar o resto do grupo. Os limites do cubo impunham-me um curto binário de saída que me deixava facilmente preso em qualquer poça de lama. Desde aqui tive-me que me manter sempre na cauda do grupo, gerindo cuidadosamente o esforço e alimentando-me correctamente para fugir à terrível marreta.

Atravessada a última aldeia de Jales, encontramos o inexplicável parque infantil descrito em detalhe no relato do Indy. As máquinas fotográficas saíram todas das suas bolsas para registar a improvável localização daquela peça de mobiliário urbano.

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Agora, uma passagem de montanha aguardava-nos lá à frente. A subida era relativamente suave e estávamos todos convencidos que curtos minutos nos separavam da prometida descida final que nos depositaria no coração de Vila Pouca de Aguiar. Era só subir mais um bocadinho. Mas o bocadinho transformou-se num bocadão. A subida enrolava-se, descia um pouco por uma trialeira e voltava a subir. A progressão era lenta, prejudicada pelo gradual aumento da densidade de giestas que como gigantes faixas de velcro insistiam em prender a nossas bicicletas.

O aumento da densidade vegetal foi de tal forma incessante que finalmente o caminho desapareceu por completo, completamente afundado em mato. De repente a situação tornou-se crítica. Haviam poucos minutos de luz, uns quarenta, se tanto. Valia a pena insistir em avançar por aquela barreira verde? Ponderaram-se as alternativas por entre conselhos dados por um caçador que ao longe vagueava o mato com os seus cães. O tempo ficava cada vez mais escuro e frio. Lembrei-me da oferta do número de telefone de resgate que os nossos companheiros de ocasião nos queriam dar. Um pouco de ironia para me entreter os pensamentos. O processo decisivo não foi muito longo e a experiência ditou em jogar pelo seguro. Voltar para trás e seguir de forma paralela à crista da montanha até atingir a estrada que nos levaria ao local de aparcamento dos carros.

Foi psicologicamente duro voltar para trás entre tanto frio e alguma chuva, mas compensou. Em razoável tempo estávamos na estrada nacional que com as suas curvas descendentes nos embalou até à conclusão do percurso. Chegamos no momento exacto em que a escuridão caía. Sorte ou perícia na gestão de tempo? Diria que houve um pouco dos dois, até porque não quero pensar nas consequências caso tivéssemos optado por atravessar a ritmo lento a barreira de giestas que nos prendeu na subida final.

Admito, na altura não apreciei muitos dos momentos da volta. Houve frio, chuva, adversidade diversas, decisões complicadas. Mas agora, em retrospectiva, não posso deixar de considerar esta volta como uma daquelas que vão para a vitrina de honra. Foi um teste de carácter que nos desafiou a resolver problemas e a puxar das nossas melhores capacidades para a o ultrapassar. Uma volta para lutadores, feita com a excelente companhia de dois veteranos da pancadaria à moda antiga.
 

Vanderbike

New Member
350plus said:
Admito, na altura não apreciei muitos dos momentos da volta. Houve frio, chuva, adversidade diversas, decisões complicadas. Mas agora, em retrospectiva, não posso deixar de considerar esta volta como uma daquelas que vão para a vitrina de honra. Foi um teste de carácter que nos desafiou a resolver problemas e a puxar das nossas melhores capacidades para a o ultrapassar. Uma volta para lutadores, feita com a excelente companhia de dois veteranos da pancadaria à moda antiga.

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Um ligeiro encosto e tinhas o problema resolvido.....

Cumprimentos
Van
 
Um gajo chega ao trabalho a uma Segunda-feira...liga o PC, Login no Fórum, e tal... e dá de caras com um relato destes! E pensa:
"nunca mais é Sábado" :D

Devo dizer que são das melhores paisagens que tenho visto aqui no Fórum! Extraordinário :yeah:
 

hellbiker

New Member
Boas

Muito bonito mesmo, e a partilha do track? Neste momento encontro-me em terras de vila pouca e toda a partilha é bem aceite.
so ca estou à semana e os passeios sao curtos entre intervalos do trabalho. mas aqui tudo tem outra beleza.
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lobo solitario

New Member
Excelente leitura. Desta vez vou evitar estragar o que já foi escrito acrescentando apenas umas imagens.

[video]http://vimeo.com/moogaloop.swf?clip_id=7785254[/video]
 
Last edited:

SURFAS

New Member
Fantástica reportagem, fotos, vídeos ...... gostei de ver o Major descontraído :mrgreen: :mrgreen: no escorrega!!

Mas confesso que os relatos do Indy já faziam falta aqui no fórum.

Esta é deveras de beleza indiscutível

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ET

New Member
Com que então o Fiat não pegava???!!! Mas ao menos ainda tinha as chaves com ele :mrgreen:

Gostei!

ET
 

pin7as

New Member
antes de mais, tenho de confessar que já tinha saudades de um relato destes...
:yeah: :yeah: :yeah: :yeah: :yeah: :yeah: :yeah: :yeah: :yeah:

são estas fotos que me deixam com inveja:

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não sei, nem me interessa, se aquilo tem saída...mas que é bonito, é!

não vou dizer mais nada que os autores não saibam já!

abraço!
 

Myrage

New Member
Indy:
Algumas fotos encontradas no Panoramio prometiam caminhos pintados com as cores do Outono e densos bosques de coníferas

Essa tua fome de coníferas dá que pensar. Por isso, deixo o meu contributo sobre manchas de coníferas (as que conheço dignas de registo) onde poderás um dia ficar com pele de galinha e lagrimejar a sensação de desejo cumprido.
Uma delas é curiosamente próximo a V.Pouca de Aguiar. Fica na Estrada nacional que liga VPA a Murça.
A outra, fica em Corno do Bico – Paredes de Coura.

A mancha de Coníferas em Corno do Bico.
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Se precisares de um guia para a região é só uma questão de combinarmos. Mas antes, promete-me, que não te vais agarrar as minhas pernas de lágrimas nos olhos em forma de agradecimento.

Até já estou a imaginar o Lobo e o Plus pelos prados verdejantes de paredes de Coura.
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MY
 

jorgegt

New Member
Mais um belo relato :clap: :clap:
Acompanhado de belas fotos e de um exelente video que deixa qualquer um com desejo de deixar o PC e ir pedalar :D
Gostei da foto, em particular do escorrega e esta ultima do nosso carismático Lobo solitário :rotfl: :rotfl:
 

JorgeSantos

New Member
:D

Longe vai o meu tempo do azeite e da manteiga...mas como por aqui (FórumBtt) existem os Bons, os Maus, os Lunáticos e os Papagaios, e considerando os interpretes desta saga como sendo de primeiro e terceiro escalão respectivamente, não podia deixar de dar uma gargalhada e um obrigado pela partilha.

ps: Tenho para comigo, que por debaixo daquele parque "infantil", se esconde uma riqueza inigualável :lol:

ps1: Plus para a próxima aperta bem a anilha em casa!

Cumprimentos,

Josant
 

gabrieljla

New Member
Viva,
li a crónica eram umas 14.30h, depois fiquei com uma vontade de pedalar que não resisti e lá fui eu. :p
Agora, depois de já ter "matado o bicho" aqui tou sem palavras para dizer o quanto gostei. 8)
Mas que fotos e textos..!! :shock:
Os senhores Moderadores decidiram dar uma lição de como se faz uma crónica!! :mrgreen:

Cumprimentos
Gabriel Assunção
 

lobo solitario

New Member
Quem realmente conhece bem esta zona já a descreveu numerosas vezes.
Extensa documentação fotográfica pode ser encontrada em http://picasaweb.google.com/jalesbike
Há, por exemplo, relatos “antigos” de passeios com alguma “frescura” invernal em http://www.forumbtt.net/index.php/topic,13685.0.html
Quanto à adição “fortuita” no passado Domingo, foi pescada de arquivo generoso nos tracos-quatro-tu. De facto, em http://www.forumbtt.net/index.php/topic,32406.0.html podemos ler, em rodapé ao track oferecido, a advertência seguinte do colega Favaios: “Descrição do Track: Este percurso só poderá ser realizado no Verão ou principio de Outono, pois é necessário atravessar um rio.” Felizmente não me dei ao trabalho de ler as suas sábias palavras e, ainda mais felizmente, nem os meus incautos colegas.
 
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