Ora aqui vai...
Quando ao consumidor se depara a falta de conformidade do bem, que comummente se designa de “defeito”, esbarra a maioria das vezes na tentativa de desresponsabilização do vendedor/fornecedor quando a ele se dirige para actuar a respectiva garantia, justificando-se este com o facto de nada ter a ver com o fabrico ou com o lançamento do produto no mercado, quando a verdade é que foi com ele que o consumidor celebrou o contrato.
Responsabilidade do vendedor
Na Lei das Garantias (LG) - Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio -, a solução é claramente apresentada, impondo ao vendedor ou, se se quiser, ao fornecedor o cumprimento da sua obrigação, a começar, desde logo, pela entrega da coisa conforme com o contrato, sem qualquer vício.
Artigo 3.º n.º 1:
“O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.”
Significa isto que o vendedor, quando põe os bens à disposição do consumidor, tem o dever de o entregar em condições, em conformidade com o contrato, aferindo-se, portanto, a qualidade do bem no momento da entrega.
Artigo 2.º n.º 1:
“O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.”
Deste modo, caso exista qualquer falta de conformidade da coisa com o que foi realmente contratado, será, pois, perante o vendedor que, primeiramente, o consumidor deve denunciar as falhas, pois, nos termos legais, é o vendedor que assume a responsabilidade da garantia em primeira linha, que se encontra afecta aos bens, independentemente do momento em que foi detectada a não conformidade do bem, mas desde que se manifeste dentro do prazo legal estabelecido para o efeito:
- 2 anos para os bens móveis
- 5 anos para os bens imóveis
Sem que, todavia, deixe de exercer o seu direito de regresso, isto é, de ser pago de todas as despesas efectuadas com a satisfação da garantia, pelo produtor.
Artigo 7.º n.º 1:
“O vendedor que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos previstos no artigo 4.º bem como a pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso gozam de direito de regresso contra o profissional a quem adquiriram a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos.”
Artigo 3.º n.º 2:
“As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”
Esta presunção não é mais do que uma inversão do ónus da prova, uma vez que sendo um período temporal tão alargado seria praticamente impossível ao consumidor fazer valer os seus direitos, daí que a lei imponha o ónus da prova a cargo do vendedor, a quem competirá provar a conformidade do bem, salvaguardando, no entanto, determinadas situações:
- incompatível com a natureza do bem
Exemplo: bem sujeito a prazo de validade ou perecível
- com características da falta de conformidade
Exemplo: má utilização por parte do consumidor ou de terceiro
O consumidor ao topar com a desconformidade do bem, pode perante o vendedor, independentemente, claro está, da culpa deste, denunciar os vícios existentes na coisa e, fazendo-o, pode lançar mão dos quatro remédios facultados pela lei.
Atenção que estas soluções legais não esbarram em qualquer tipo de hierarquização - ao contrário do que se pode depreender da Directiva 1999/44/CE -, devendo o vendedor respeitar sempre a opção que o consumidor entenda exercer, desde que este último não se exceda no exercício dos seus direitos, são eles:
- reparação
- substituição
- redução adequada do preço
- resolução do contrato
Artigo 4.º n.º 1:
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução do preço ou à resolução do contrato.”
No que respeita à opção por qualquer uma das soluções legais apresentadas, quando o consumidor visa encontrar uma solução para satisfazer o seu direito de adquirir um bem livre de qualquer vício, à luz do nosso ordenamento jurídico o consumidor atendendo à gravidade da desconformidade é livre, desde logo, de optar por pôr termo ao contrato celebrado, lançando mão da solução que o legislador apresenta como a mais extrema: a extinção do contrato (por meio da figura da resolução).
Tanto a reparação como a substituição deverão ser realizadas num prazo razoável, sem grave inconveniente para o consumidor, sendo certo que no que diz respeito aos bens móveis o período temporal para o efeito não pode ultrapassar os 30 dias – ao invés do que acontecia antes de alteração, em que não era mencionado qualquer limite temporal -, sob pena de se estar perante um ilícito contra-ordenacional punível com coima, nos termos da LG, que poderá ir até aos € 5 000,00, dependendo se o infractor é pessoa singular ou colectiva (artigo 12.º-A da LG).
No que respeita ao direito à resolução do contrato e à redução do preço, estes podem ser exercidos perante o vendedor, mesmo que o bem se tenha deteriorado ou perecido, independentemente da culpa do consumidor.
Tal significa que estes fenómenos são consequência da falta de conformidade existente no momento em que o vendedor entrega o bem ao consumidor.
Exemplo: alimentos com validade
Mas todo este comportamento, por parte do consumidor, não pode deixar de ter em atenção o prescrito na própria lei.
Artigo 4.º n.º 5:
“O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.”
Isto é, estes são direitos que podem ser exercidos perante o vendedor, optando o consumidor por qualquer um deles, mas nunca perdendo de vista e, aliás, aparecendo como limitação ao exercício dos seus direitos:
- o instituto do abuso de direito: o consumidor não pode, no exercício dos seus direitos, exceder o fim social ou económico do direito ou a boa-fé.
Artigo 334.º do CC:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Exemplo: se perante um risco mínimo na porta do veículo automóvel, reparável com uma simples intervenção, o consumidor exige a substituição do bem, pretendendo um veículo novo.
- a impossibilidade manifesta: tem a ver com o objecto negocial
Artigo 280.º n.º 1 do CC:
“É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.”
Exemplo: o modelo encontrar-se esgotado
Isto significa que o exercício dos direitos pelo consumidor deve pautar-se pelo princípio da proporcionalidade, ou seja, o direito exercido para repor a conformidade da coisa deve ser proporcional ao defeito encontrado.
Por outro lado, os direitos que assistem ao consumidor, no que respeita às soluções legais para repor a conformidade, não podem ser afastados por qualquer acordo contratual, dado o seu carácter injuntivo:
Artigo 10.º n.º 1:
“Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma.”
Acontece recorrentemente o vendedor, perante a reclamação do consumidor, impor a sua vontade através da emissão de vales para futuras aquisições ou a troca do bem por outro diferente. Todavia, este procedimento tem de ser proposto ao consumidor e não imposto, tendo o consumidor a faculdade, com plena liberdade, de aceitar ou não que lhe é proposto no momento.
Artigo 4.º n.º 6
Há que assinalar que todos os direitos que se atribuem ao consumidor/comprador são transmissíveis ao terceiro adquirente - inovação da alteração à LG. Pois é, caros betetistas, a vossa bicicleta em 2.ª mão tem garantia (desde a data da factura original do 1.º Comprador).
Conselho para o consumidor: Não é aqui no fórum que vais resolver o teu problema ...