O REGRESSO AO MONTEMURO
Fugi à lavoura para apanhar um empeno. Pois. Voltei ao Montemuro para melhorar algo que lá tinha explorado há quase um ano atrás (
http://www.forumbtt.net/showthread.php/12408-[Crnica]-Finalmente-o-Montemuro). O dia, que se prometia solarengo, assim o ditava. Afinal, vou ter muito que trabalhar até à reforma. Talvez nem a chegue a usar...
O projecto implicou levantar-me a horas em que a lua, ao contrário de mim, nova, ainda decorava um céu escuro. A viagem demorou pouco mais de uma hora e, ainda cedinho, arrancava.
Era dia de feira em Cinfães.
Após Contença, o trilho marcado pelo Airborne mandava-me por umas calçadas acima, visitando azenhas e aidos, alguns ainda com uso. Tinha tentado seguir este percurso na Travessia de Junho passado mas, sem track, perdera-me.
Os caminhos eram exigentes para o físico, a habilidade e o equilíbrio mas a paisagem de Inverno transmitia paz.
No planalto, os trilhos não eram óbvios e só consegui acompanhá-lo mantendo-me em cima do risquinho do GPS. Pensei com alívio no facto de estar só. Certa companhia iria, certamente, importunar-me com críticas sobre o traçado. É certo que houve algumas ligações menos evidentes e pouco dadas à bicicleta. Ao contrário de outros, eu aceito os factos e continuo teimosamente.
O granito vigiava-me atentamente.
Lá em cima, o gelo ainda não tinha derretido completamente.
Da cumeada, apreciei o relevo granítico e imaginei a sua génese, milhões de anos atrás.
Os caminhos largos, abertos pelo indústria do vento, levaram-me a S. Pedro.
Segui pela cumeada usando, durante a maior parte do trajecto, esses estradões. Do cimo ouvia o cantar dos chocalhos das cabras. O silêncio era tão grande que, para poder transmitir as sensações, tenho de recorrer a uma pequena filmagem. Não resisti a incluir uma mensagem cifrada a quem sabe muito bem quem é... é tão bom, o silêncio!
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No colo próximo da aldeia de Aveloso
vi-me no meio de um rebanho e seus valorosos guardas peludos. Tentei lembrar-me do significado de uma cauda tão erecta. Sobrevivi...
O dia estava magnífico. Quase sem vento e um Sol que aquecia sem incomodar.
“Olha um meco! Um dos altos!!”- pensei.
Uma vozinha, saída não sei bem donde, ecoou no meu cérebro: “É meu, é meu...”. Devia ser o Marco dos marcos a reinvindicar os seus direitos e prioridades. “Que se lixe”- pensei- “também não preciso de mecos para ter um objectivo para o passeio.”. Segui para o segundo colo na cumeada, vendo as aldeias de Alhões e Bustelo.
Chego, assim, a esse colo, chamado pomposamente de Portas do Montemuro. Uma pequena capela de 1717, bem protegida do frio por uns muros altos, reside humildemente ao lado da estrada.
Apesar do dia estar fresco, estava-se lindamente ao Sol, pois não corria qualquer aragem. Sentei-me a comer o pãozito com queijo e marmelada que me teria de bastar para o dia todo e arranquei monte acima.
“Olha outro!...”.
“É meu, é meu...”.
Que raio de desígnio mais pateta...
Parece que os mecos já se reproduzem. Este tem gémeos! Seremos um dia dominados por uma raça superior de mecos.
Segui.
Próximo da aldeia da Gralheira (sim! Aquela do famoso restaurante que constitui o objectivo de alguns pedalantes...) arredei-me dos trilhos conhecidos e fui explorar uma alternativa desenhada em casa. Lembro-me de uma sucessão de pequenas aldeias...
árvores em repouso invernal...
líquenes a servirem de roupagem ao carvalho negral...
trilhos variados, alguns a desaparecerem por baixo das giestas...
pelourinhos artísticos em Panchorrinha...
Um trilho técnico levou-me de Panchorrinha a uma ribeira que alimenta o Douro (o rio Cabrum).
Lá em baixo esperava-me uma ponte lindíssima.
Lembro-me de pensar se não seria muito mais interessante fazer uma colecção de pontes em vez de uma colecção de estruturas piramidais ou cónicas em cimento, com tiras cinzentas e escritos de amantes entesoados!? Seria ir à descoberta e não apenas seguir as instruções evidentes, de qualquer maneira, no terreno. As fotos, essas sim, seriam bem mais variadas e bonitas...
Para sair do vale, seguia-se por um trilho ao longo do rio e mantido mais ou menos limpo provavelmente pelo fluxo de pescadores.
Pouco depois, havia que pagar o divertimento da descida com uma subida complicada.
Entrei, depois, em caminhos cheios de água e ladeados por azenhas antigas.
Mais aldeias. Mais edifícios rurais a testemunharem modos de vida em extinção.
Apesar do desenho do trajecto ter tentado aproveitar (e fê-lo) os caminhos rurais antigos, foi inevitável um troço de asfalto que, do fundo do vale, me voltou a pôr em cima, junto a Pimeirô. Aí entrava no trilho já percorrido e que era absolutamente delicioso.
Os trilhos técnicos sucediam-se ininterruptamente, culminando numa descida em calçada até ao rio Bestança onde me esperava a ponte de Covelas. Vistas consoladas em corpo massacrado.
O regresso implicou uma subida longa, inicialmente numa calçada em que apenas consegui ir montado cerca de metade do percurso, seguida de uma estrada secundária onde fui relaxando o corpo. Em Cinfães, um restaurante que prometia belas francesinhas, atiçou-me a fome. O corpo dorido pedia algumas calorias irracionais. Optei por uma fatia de pizza. Podem desenganar-se dos 64 Km do percurso. Nem os 2150m de acumulado de subidas conseguem explicar o empeno. Apenas uma experiência pessoal nas calçadas o poderá explicar. As alternativas avistadas desta vez fazem-me pensar que o percurso ainda não está perfeito. No entanto, há-de passar algum tempo antes de lá voltar. Ou não...
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